Como a luz pode impactar nossos sonhos?

Texto por: Gabriela Maciel Cardoso, Mariana Silva Corrêa e Robson Viana Xavier

Mas os sonhadores vão para a frente, soltando seus papagaios,

morrendo nos seus incêndios, como as crianças e os loucos. E

cantando aqueles hinos que falam de asas, de raios fúlgidos —

linguagem de seus antepassados, estranha linguagem humana,

nestes andaimes dos construtores de Babel.

Cecília Meireles, “Liberdade”.

Em poucas décadas, passamos a ouvir muito a respeito da poluição atmosférica de gases do efeito estufa, que é o que vem provocando a intensificação do aquecimento global. No entanto, convivemos com outros tipos de poluentes, e alguns deles também são alarmantes em nosso século, como a poluição luminosa, que é o excesso de luz produzida pelos centros urbanos. Ela está presente em outdoors digitais, iluminação pública, e no interior de prédios, por exemplo; e vem provocando fortes transformações no funcionamento interno e no comportamento de animais.

Figura: Níveis de poluição luminosa no céu, ao redor do planeta. Fonte.

Áreas intensamente iluminadas desorientam aves migratórias noturnas e provocam alterações em suas rotas, como também influenciam em seu comportamento e reprodução; enquanto aves matutinas iniciam o forrageio mais cedo e passam a competir por recursos com animais que são ativos durante esses horários. Os insetos também não escapam da iluminação artificial — se alguns anos atrás observávamos vaga-lumes frequentemente e hoje nem tanto, isso se deve ao aumento da poluição luminosa das grandes cidades. Seu mecanismo de bioluminescência, utilizado para atrair parceiros e alimentos (outros insetos), não alcança mais a mesma efetividade, o que ameaça sua existência. Assim, as modificações comportamentais influenciadas pela luz afetam as relações ecológicas de diversos seres vivos.

Dentre eles, nós, humanos, também somos afetados. Imagine a situação de nossos ancestrais há milhares de anos, muito antes de invenções oriundas da eletricidade, quando nossos antepassados eram nômades, vivendo da caça, da pesca e da coleta de frutos e sementes. Nessas ocasiões instáveis e perigosas na natureza selvagem, a humanidade estava exposta e restrita à luz do sol, fazendo com que, ao longo da evolução humana, os processos fisiológicos de nosso organismo, assim como os de vários outros animais, se adequassem ao ciclo claro-escuro do dia, o comumente chamado “ritmo circadiano”. Esse ritmo é assim chamado porque se refere às atividades do corpo que se repetem a cada 24 horas aproximadamente, como dormir e acordar.

Sabemos que, por sermos animais diurnos, realizamos nossas atividades sob a luz do sol e, ao anoitecer, já estamos nos preparando para diminuir o ritmo de nossas ações, até cairmos em um sono profundo. Ou, pelo menos, deveria ser. No entanto, desde o final do século XIX, com o advento da revolução industrial na invenção e disseminação da luz elétrica, ficamos expostos à luz artificial, que é mais fraca do que a luz natural que emite mais Lux (unidade de medida de luz por área) por mais tempo que nossos longínquos antepassados. E, nisso, com a vida moderna nas cidades e grandes metrópoles, os seres humanos passaram a ter uma tendência de estilo de vida e de trabalho em que a exposição à luz natural é menor. Dessa forma, estamos nos expondo menos à luz natural, o que interfere no nosso sono. Isso acontece porque a nossa sensação de sono depende da ausência de luz no ambiente. Como assim? Possuímos detectores de luz em nossa retina que, ao perceberem a diminuição de luz no meio ambiente, que seria ao entardecer, enviam essa informação para o nosso cérebro. Neste, há uma glândula, chamada de glândula pineal, que produz e libera o hormônio melatonina, responsável pela indução do sono no nosso corpo e que desempenha papel chave na regulação do ciclo circadiano.

E será que ficar mais tempo acordado, sob o efeito das luzes advindas das telas de aparelhos eletrônicos e dos espaços internos, nos ajuda a sermos mais produtivos ou a aproveitarmos mais nossas vidas com maior qualidade na saúde, enquanto dormir seria uma perda de tempo? Estudos em áreas como a neurofisiologia do sono e psicologia têm demonstrado o contrário: nos tornamos menos produtivos e aproveitamos menos nossas vidas, afetando nossa saúde ao termos horas reduzidas de sono a cada noite. Ao longo do tempo isso gera custos na saúde do indivíduo. Menos horas dormidas significa que o nosso cérebro não passou por todos os quatro estágios do sono e, assim,  a eliminação de resíduos metabólicos produzidos durante as atividades diurnas, o fortalecimento do sistema imune, a consolidação de novas memórias e, consequentemente, de aprendizados, não acontecem de forma tão efetiva, como relata o renomado neurocientista brasileiro Sidarta Ribeiro em seu livro. Além disso, o pouco tempo de sono também afeta o nosso emocional, fazendo com que fiquemos mais cansados, ansiosos, mais estressados e dispersos quando estamos acordados, ou seja, menor foco e concentração.

Mas o que o sono tem a ver com a memória e o aprendizado? A resposta está em nossos sonhos! Sonhar é recordar nossas experiências, e de forma tão profunda que é capaz de alcançar o inconsciente, onde estão os nossos mais profundos desejos e medos de acordo com Sidarta. Quando sonhamos, vivenciamos situações diversas, algumas muito “realistas”, outras estranhas demais para serem verdade, umas com poucos detalhes e outras repletas de informações. O fato é que os sonhos são simuladores de realidade que nos permitem acessar lembranças de emoções sentidas e, com elas, nos preparar para possíveis eventos futuros de nossa vida acordados. Ou seja, o sonho é o elo entre o nosso passado e o nosso futuro.

Por isso, nós humanos e outros animais, com milhões de anos de processo evolutivo em sincronia com o amanhecer e o entardecer dos dias, ainda precisamos do escuro da noite, seja para se reproduzir ou se alimentar, como no caso de animais noturnos, ou para sonhar, lembrar e aprender de olhos fechados, como nós, animais diurnos.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

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