A arte e a beleza na nossa evolução

Algumas pinturas da caverna de Lascaux, França, a “Capela Sistina” da pré-história.

E o nosso gosto pelas artes e esta procura constante pela beleza, de onde vem? Uma das características mais interessantes dos seres humanos é o apreço à arte e a busca pelo belo. Todas as sociedades buscam a beleza, embora a noção do que seja considerado belo varie entre elas.

As artes floresceram há milhares de anos e as manifestações artísticas pré-históricas mais famosas provavelmente são as que ocorreram na Europa há aproximadamente 40.000 anos, quando os Homo sapiens pintaram magnificamente as paredes de cavernas importantes como Chauvet e Lascaux, ambas localizadas na França, sendo essa última referida como a “Capela Sistina” da pré-história.

Além disso, nessa mesma época muitos objetos interessantes foram esculpidos representando criaturas do mundo real ou fantásticas. Uma das mais emblemáticas é a estatueta de um homem com cabeça de leão, esculpida num marfim de mamute há cerca de 40.000, o que mostra um elevado grau de simbolismo e senso estético.

Acreditava-se que esse apreço pelo belo é algo exclusivo de nossa espécie, uma amostra de nossa superioridade intelectual sobre os outros animais e hominídeos. No entanto, muitas evidências acumuladas pela paleoarqueologia têm demonstrado o contrário. A busca pela beleza começou há muito mais de 40.000 anos e vem de antes do surgimento da nossa espécie, que ocorreu há aproximadamente 200.000 anos.

Podemos começar a analisar o comportamento de nossos parentes mais próximos e a última espécie de humanos a coexistir conosco: os Homo neanderthalensis. Essa espécie que surgiu na Europa e se espalhou em direção à Ásia também apresentava manifestações artísticas, como adornos, pintura corporal e até pintura em cavernas. Existem evidências desse tipo de atividade milhares de anos antes dos H. sapiens chegarem à Europa, como estruturas construídas com estalactites encontradas na caverna de Bruniquel, França.

Reconstrução 3D das estruturas neandertais na caverna de Bruniquel

Então, se a busca pela beleza está presente tanto em H. sapiens como nos neandertais, é de se esperar que tal comportamento já estivesse presente em espécies anteriores a essas duas.

De fato, um artigo publicado em 2006 analisa a forma de muitas lâminas de pedra do período acheulense encontradas na Síria e realizadas por Homo erectus — espécie de hominídeo que viveu entre 1,8 milhões e 200 mil anos atrás — defende que, devido à harmonia e a perfeição dessas lâminas, que seguem um padrão estético preciso e possuem um esmero na fabricação que vai muito além do necessário para a funcionalidade, os H. erectus já estariam buscando transmitir um conceito estético a essas lâminas há 400.000 anos!

Além disso, as lâminas analisadas parecem ter, ao longo dos séculos, uma proporção entre o comprimento e a largura definida, como se fosse a “proporção de outro” dos antigos gregos. Para estes, era harmonioso que essa proporção se mantivesse em 1,62, como pode ser observado na relação entre a altura e o comprimento do Partenon, em Atenas, bem como em várias outras obras de arte e arquitetônicas. No caso dos H. erectus, parece que eles preferiam a proporção de 1,4, pois as lâminas, ao longo de muitos anos, mantêm essa razão.
Algumas lâminas do período acheulense

De acordo com o autor, “a biface [este tipo de lâmina] já é uma escultura, ela parece conter, sem dúvida inconscientemente, a imagem do homem, animal vertical e simétrico. Isto é, para nós, indiscutivelmente uma forma de arte, mas essa arte não traduz ainda uma expressão metafísica lúcida, ela provavelmente não é mais do que a projeção inconsciente de uma necessidade estética, harmônica e simbólica no objeto esculpido.”.

Assim, pode-se concluir que o apreço pela arte e o gosto pela beleza já nos acompanham em nossa história evolutiva há pelo menos 400.000 anos, mas provavelmente começam a partir do momento em que os nossos cérebros atingiram um tamanho parecido ao atual. A arte e a beleza são parte intrínseca de nossa própria evolução!
As magníficas pinturas da Capela Sistina, no Vaticano. Certos hábitos nunca mudam!

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