Os Pombos-Correios e como eles nos ensinam que o bom filho à casa torna

Texto por: Georgia Rocha Grecco, Julia Daniel Teixeira e Natalia Ferreira da Costa

Quem foi criança antes dos anos 2010 (não seremos mais específicos que isso, sem bullying com idade) deve se lembrar do Pombo-Correio Doodle e como ele atazanava Dick Vigarista e a esquadrilha da fumaça amadora com sua inteligência e habilidade para desviar das tentativas fracassadas que o grupo fazia para capturá-lo no ar enquanto ele apenas queria entregar suas encomendas. Não peguem o Pombo, DEIXEM O POMBO EM PAZ!

Dick Vigarista e Mutley – Cartoon de Hanna Barbera (1969).

Pois bem, na realidade, esse comportamento dos pombos-correios têm explicação biológica e se Dick vigarista tivesse estudado, poderia montar uma armadilha fixa em vez de gastar tanta gasolina voando atrás de nosso amiguinho pombo aviador. Isso porque Doodle não foge à sua natureza e segue sempre um mesmo caminho para entregar sua encomenda: o caminho de casa. Para chegar a esse objetivo, ele utiliza um avançado sistema de navegação.

Uma criação de Pombos-Correios. Quando usados para correios, o criador deve deixá-los nascer no local onde quer que um dia, eles entreguem algum pacote.

E não, nosso amiguinho Doodle não carrega contigo um smartphone com o google maps baixado para se localizar, pelo contrário, ele tem um sistema muito mais eficaz do que a Siri na sua cabeça alertando “vire à direita, você chegou ao seu destino”.

O sistema de navegação que aves migratórias, como os pombos, possuem é capaz de captar informações do meio externo e analisá-las em seu cérebro, produzindo uma escolha sobre o melhor caminho a ser seguido. A primeira parte desse sistema de navegação é composto por sua narina sensível e olhos apurados. As informações odoríferas e visuais são recebidas nesses órgãos do sentido e enviadas até o cérebro do animal, onde está a segunda parte do sistema. O trabalho dessa parte é receber as informações numa região conhecida como mesencéfalo. Ali fica o grande centro de informações sensoriais.

As aves, assim como os humanos, recebem pelos olhos e narinas as informações visuais e olfativas e as levam ao mesencéfalo (ponto preto na imagem). Ele as utiliza para entender o ambiente e comanda os músculos para mudarem a orientação do movimento. 

De posse de algo que “viu” e “cheirou”, o mesencéfalo conversa com outras áreas do cérebro, como a crista ventricular dorsal e cerebelo, e, com a ajuda delas, gera uma resposta-comando que é enviada para os músculos das aves e contém o direcionamento correto que elas devem seguir.

Para os pombos-correios, o caminho correto a seguir é aquele que leva de volta para o local onde nasceram. Chegar lá vai exigir uma ajudinha da memória. É preciso que o pombo se lembre de onde nasceu e, enquanto voa, que observe a paisagem, sinta os seus cheiros e seja capaz de perceber se aquele é o caminho que leva para casa. 

No cérebro dos animais, a região responsável por acessar memórias de longo prazo é o hipocampo. Logo, não apenas nossos amiguinhos pombos-correios, mas assim como uma vasta diversidade no Reino Animal desde pinguins, trutas, baleias ou rãs, há este vestígio, no qual se o animal nasceu num local e foi levado a outro, as informações visuais e olfativas daquele caminho ficaram marcadas. Portanto, no caso da nossa ave, quando o pombo adulto está numa viagem de retorno, às informações visuais e olfativas do momento são comparadas com as antigas no “banco de dados” do hipocampo. É assim que o animal sabe se aquele caminho que está fazendo leva para casa ou não.

Além da visão e olfato, pombos-correios ainda possuem capacidade de se orientar pelo campo magnético da Terra. Eles conseguem sentir esse magnetismo através de cristais de magnetita localizados na pele do bico superior. Os cristais se movem ligeiramente quando o animal passa através do campo magnético. Essa movimentação gera uma pressãozinha no bico que é sentida e captada pelo cérebro, chegando até a região do hipocampo, que analisa se aquela pressão já foi sentida outras vezes e se a ave já passou no local ou não. Isso ajuda  também a identificar o caminho certo. Se descobriu que, apesar das aves não possuírem uma estrutura cerebral equivalente ao neocórtex dos mamíferos, responsável por tomadas de decisões complexas, como no caso dos humanos, elas têm uma área surpreendente chamada crista ventricular dorsal. Essa região demonstrou ter capacidade para processar informações e tomar decisões complexas, mesmo sem a presença do neocórtex.

A crista ventricular dorsal atua como um centro de controle sensorial no cérebro das aves. Ela interage com outras estruturas cerebrais, permitindo que o animal responda de maneira hábil e adaptável ao ambiente. Essa descoberta lança luz sobre porque aves como Doodle eram tão astutas em suas evasivas. A presença dessa estrutura cerebral, apesar de não ser equivalente ao neocórtex dos mamíferos, mostra como as aves têm uma capacidade única de tomar decisões complexas e se adaptar a situações desafiadoras, utilizando recursos cerebrais alternativos. O sucesso dos pombos-correio está no fato de que eles precisam nascer no local de destino das entregas, pois são fiéis a esse destino e usarão seu poderoso sistema de navegação para voltar para o local que ainda consideram sua casa.

Nosso Doodle era um pombo maduro e responsável, com certeza estava no caminho certo. Que bom que o Dick é vigarista e não se esforça para entender a biologia de seu arqui-inimigo. Se o fizesse, esperaria por ele no destino e não daria tanta dor de cabeça ao chefe ou tantas medalhas ao Mutley!

Fonte: Imagem retirada do site GDC White Pages – https://wp.gdc.coop/article/Dick+Vigarista+e+Muttley/

REFERÊNCIAS

Jr TULLY Thomas et al. Clínica de Aves. Elsevier, São Paulo, 2010. Disponível em: <https://www.ufrb.edu.br/ccaab/images/AEPE/Divulga%C3%A7%C3%A3o/LIVROS/Cl%C3%ADnica_de_Aves_-_2%C2%AA_Edi%C3%A7%C3%A3o_-_Thomas_N._Tully_Jr_-_2010.pdf>  Acesso em 04 de Julho de 2023. 

WALLRAFF Hans. Avian Navigation: Pigeon Homing as a Paradigm. Springer, Berlin, 2005. Acesso em 04 de Julho de 2023.

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