E se as flores usassem Tinder?

Texto por: Jasmim de Campos Vasques e Luiz Renato Callescura Lopes

A polinização é um fenômeno que consiste na transferência de grãos de pólen de uma flor para o estigma de outra flor. Esse processo pode ser auxiliado por fatores bióticos como animais polinizadores (abelhas, mariposas, beija-flores e até morcegos), ou por fatores abióticos como o vento e a água. Mas, para que ocorra a formação -de frutos e sementes, não basta o pólen aterrissar em uma flor: deve haver a fecundação (ou fertilização) do óvulo pelo grão de pólen, de modo que ocorra troca de material genético. Pense só: em uma forte ventania, milhares e milhares de grãos de pólen caem sobre o estigma de uma única flor que apresenta poucos ou somente um óvulo… E agora? Qual desses grãos irá fertilizar o óvulo? Quem faz essa escolha? Podemos fazer uma reflexão: como seria se as flores usassem Tinder? Qual grão de pólen dará o match perfeito com o óvulo?

Bom, são os óvulos que escolhem os seus parceiros sexuais por meio de sinais químicos que vão atrair certos grãos de pólen e inibir o crescimento de outros! O processo completo de polinização e fertilização é composto por numerosas etapas repletas de comunicações intercelulares e outras interações, que a ciência hoje se debruça para entender. Quando o pólen chega no estigma da flor, ele precisa ser hidratado para germinar o seu tubo polínico, que é o que vai alcançar o óvulo para fecundá-lo. De certo modo, o estigma floral reconhece os grãos de pólen e escolhe quais serão hidratados para poderem percorrer a jornada até o óvulo. A planta não vai hidratar o pólen de outras espécies – porque afinal não poderia haver fecundação – e também não vai hidratar o próprio pólen – porque não haveria troca de material genético, ou seja, sem variabilidade

Então, precisamos pensar: o que impede a planta de “dar match com o primo” ou, na linguagem das plantas, cometer autofecundação? Bom, por mais que isso ocorra eventualmente com algumas plantas, quase metade das angiospermas (ou seja, as plantas que têm flores) são impedidas de fazer isso por um mecanismo conhecido como auto-incompatibilidade. Esse mecanismo vai impedir que o óvulo seja fecundado e forme um zigoto a partir da autopolinização. Por exemplo, o sistema que ocorre em plantas da família Solanaceae (a mesma do tabaco e do tomate) possui genes específicos (os SLFs – S-locus F-box) que, quanto mais expressos eles forem, maior a chance de garantir a fecundação cruzada, ou seja, entre plantas com material genético diferente.

Fig. 1: Para relembrar as partes da flor. Esquema didático elaborado pelos autores.

Durante a sua jornada pelo pistilo até alcançar o óvulo, o tubo polínico recebe várias moléculas da flor, incluindo íons, lipídeos, fitohormônios, peptídeos e glicoproteínas que vão guiá-lo, como uma espécie de GPS para alcançar o óvulo certo. Em 2016 foi descoberta uma molécula de sinalização intercelular em uma espécie de planta ornamental, Torenia fournieri, que atua garantindo que os tubos polínicos tenham a competência necessária para seguir corretamente esses sinais do óvulo. Essa molécula trata-se de uma cadeia de açúcares que foi nomeada de AMOR (ovular methyl-glucuronosyl arabinogalactan). Pois é! Nessa planta é o AMOR que orienta o crescimento do tubo polínico para garantir que alcance o óvulo para fertilizá-lo. Mais especificamente, o AMOR é o que permite que o tubo polínico perceba os peptídeos lançados pelo óvulo com função de o atrair. Se não existe o AMOR, o tubo polínico perde a capacidade de ser atraído pelo óvulo.

E o que podemos tirar disso? Bem, o match deu certo! Graças ao AMOR o tubo polínico encontrou um óvulo para chamar de seu. Este match futuramente vai ocasionar a fecundação do óvulo e a produção das sementes e do fruto. Então, na próxima vez que estiver saboreando uma bela fruta, valorize-a, pois ela é fruto de muito AMOR! Este tema é um grande desafio para os biólogos, com várias descobertas e ainda muitos segredos não revelados sobre o funcionamento dessas interações. O fato é que as plantas possuem comportamentos complexos e não podem ser tratadas como “inertes” ou “não reativas”, porque essa visão nos impediria de entender o que realmente acontece com estes seres incríveis! Certamente as plantas escolhem seus matches de forma muito complexa e criteriosa. Temos muito a aprender com elas.

REFERÊNCIAS

Créditos da Imagem de Capa: Foto de uma flor de Arabidopsis thaliana tirada por Jan Martinek feita em microscópio. Pólen e tubos polínicos marcados em amarelo.

EMBRAPA. Polinização. Disponível em: https://www.embrapa.br/meio-norte/polinizacao. Acesso em: 12 ago. 2024.

MIZUKAMI, Akane G. et al. The AMOR arabinogalactan sugar chain induces pollen-tube competency to respond to ovular guidance. Current Biology, v. 26, n. 8, p. 1091-1097, 2016.

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