Como embarcações estão atrapalhando o GPS natural de animais marinhos

Texto por: Bruna Morais de Souza e Cláudia Venturim

Existem alguns animais que possuem a capacidade de emitir ondas sonoras que vão rebater em objetos, fazendo com que um “eco” retorne ao animal emissor trazendo informações sobre o objeto em questão, como seu tamanho e a qual distância aproximada ele se encontra. Isso está presente tanto em animais terrestres como os morcegos e andorinhões, quanto em animais marinhos como baleias e golfinhos. Neste artigo focaremos nossa atenção na fauna marinha pois algo muito curioso está acontecendo, impactando negativamente a vida destes animais.

É compreensível que a vocalização tenha se desenvolvido como estratégia evolutiva no oceano, já que as ondas sonoras se propagam 5 vezes mais rápido na água do que no ar. Baleias e golfinhos estão entre os animais marinhos que possuem um GPS natural. As ondas sonoras são muito importantes para eles. Além da utilização para “navegação” e caça, algumas baleias também se utilizam do som para comunicação com outros indivíduos de sua espécie. Essa habilidade é conhecida como “canção”, pois os sons produzidos pelas baleias lembram verdadeiras melodias, apesar de serem guinchos diversos, suspiros e gemidos. Algo curioso sobre essa forma de comunicação é que as baleias possuem cordas vocais, mas que são diferentes das cordas vocais encontradas em mamíferos terrestres, em relação ao seu formato e localização. Essa descoberta é recente, e até então era um mistério, como elas conseguiam propagar o som. 

Esses animais emitem tanto sons de baixa frequência quanto de alta frequência. Segundo estudos, acredita-se que os sons de baixa frequência servem para se localizar no espaço oceânico, compreendendo as feições do fundo do mar, detectando obstáculos e compreendendo as linhas costeiras, além da presença de outros animais. Esse é utilizado em distâncias maiores. Já os sons de alta frequência seriam utilizados para curtas distâncias e com função de incomodar e desorientar outros animais, possíveis presas, bem como objetos.

Por ser um sentido altamente sensível, acredita-se que baleias e golfinhos consigam ter uma espécie de “visão tridimensional especial” do mundo que os cerca.

No entanto, essa habilidade sensorial tem se mostrado danosa quando a ação do homem está envolvida. Com o aumento no número de mortes de baleias-bicudas-de-cuvier iniciou-se uma pesquisa para identificar a causa. Algo sinistro foi descoberto com isso: O sonar do tipo MFAS, emitido por diferentes embarcações marinhas, atinge as baleias localizadas a um raio de 50 km, interferindo nas ondas de baixa frequência que elas utilizam para se comunicar e localizar. Elas ficam atordoadas com o barulho, nadam milhares de metros e mergulham mais fundo do que poderiam suportar, na tentativa de fugir das vibrações perturbadoras.

Como as baleias necessitam voltar à superfície para respirar, nessa condição, elas passam muito tempo mergulhando profundamente e voltando repentinamente à superfície. Nesse momento algo fatal pode acontecer, as baleias podem sofrer os efeitos da descompressão repentina, pois a subida repentina causa a formação de bolhas no sangue e na pele. As chances de morte são altas nessas condições. Quando sobrevivem permanecem com sequelas graves que prejudicam a vida do animal. 

Baleia morta em zona naval. / Imagem histológica de linfonodo torácico deste indivíduo mostrando várias bolhas de gás, características da doença descompressiva causada pelo rápido retorno à superfície.

Pesquisadores monitoraram por GPS 16 baleias dessa espécie, durante 88 dias na costa norte-americana. Assim, foi possível acompanhar detalhadamente seus mergulhos. Esses dados foram comparados com as informações do Sonar da marinha dos EUA, e assim foi visto um padrão entre o sonar e o padrão de mergulho das baleias. Além disso, foi visto que os efeitos mais severos acontecem em um raio de 50 km, mas as baleias que estavam dentro de uma raio de 100 km também apresentaram um padrão de nado incomum. O efeito torna-se ainda mais potente quando há mais de uma embarcação com o sonar ligado.

A ação humana impacta diretamente o comportamento, a fisiologia e as capacidades acústicas dos animais marinhos que emitem ondas sonoras como estratégia de vida. De fato as ondas sonoras artificiais se interpõem às emitidas pelos animais, atrapalhando a capacidade de análise e conclusões formuladas por eles. Alguns podem perder presas, por não conseguirem detectá-las. Outros podem se perder confundindo as profundidades dos locais em que estão passando, algo que é especialmente prejudicial para os animais que respiram oxigênio atmosférico. Alguns indivíduos podem se afogar e outros podem ter embolia pulmonar ao retornar à superfície mais rápido do que deveriam. Pode haver ainda interferência na comunicação entre indivíduos de um mesmo grupo, fazendo também com que se percam.

Há ainda que se conduzir muitos estudos avaliando a possibilidade de se criar uma tecnologia que não interfira nos sentidos biológicos da fauna marinha. Nossa espécie utiliza essa capacidade como modelo para desenvolver tecnologias de localização para embarcações, entretanto não contava que isso afetaria tanto a vida animal, que obviamente não afeta de volta as embarcações. 


Sugestão de vídeo didático: https://www.youtube.com/watch?v=DiCcf6zewe8

Referências:

Diving behaviour of Cuvier’s beaked whales exposed to two types of military sonar | Royal Society Open Science 

Influência de ruídos antropogênicos em mamíferos aquáticos | Alves | Anais do Encontro Nacional de Pós-graduação 

Beaked whales echolocate on prey | Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences

Sperm whale behaviour indicates the use of echolocation click buzzes ‘creaks’ in prey capture | Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences 

Responses of cetaceans to anthropogenic noise – NOWACEK – 2007 – Mammal Review – Wiley Online Library 

Demonstration of adaptation in beluga whale echolocation signals

Beluga whale (Delphinapterus leucas) vocalizations and call classification from the eastern Beaufort Sea population

Discovery of a low frequency sound source in Mysticeti (baleen whales): Anatomical establishment of a vocal fold homolog – Reidenberg

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