De onde surgiu a camisinha?

Por: Karen Gruhn

Segundo a mitologia grega, Minos, rei de Creta (representado na figura acima), continha serpentes e escorpiões em seu sêmen, que matavam as mulheres com quem ele dormia. Pintura de Michelangelo Buonarroti | Fonte: letralia.com

Apesar de ser motivo de debate e investigações, acredita-se que os egípcios foram uma das primeiras civilizações a usar preservativos e até a tingi-las de diferentes cores1. Datado de 1850 a.C., o Papiro de Petri apresenta uma seção especial dedicada a prescrições de pessários (anel introduzido na vagina da mulher provavelmente comprimindo o colo do útero, ou obstruindo a entrada do espermatozóide no orifício cervical, impedindo assim a fecundação) contendo esterco de crocodilo e uma substância semelhante a uma pasta, como o mel, para as mulheres egípcias de classe alta introduzirem na vagina antes do intercurso sexual. Essas práticas foram interpretadas por muito tempo como maneiras de contracepção. No entanto as substâncias utilizadas eram compostas de bicarbonato de sódio, possuindo propriedade alcalinizante, devido ao fato de o sêmen possuir uma faixa de pH básico e, portanto, promover a motilidade espermática.
Três antigas receitas egípcias para pessários recomendando a utilização de esterco de crocodilo e mel do Papiro de Ebers 1500 a.C. | Fonte:  B. E. Finches e Hugh Green
Várias formas de preservativos masculinos foram usadas na pré-história. Na caverna de Les Combarelles, localizada na França, há registros na forma de arte rupestre da cena de um homem e uma mulher envolvidos no ato sexual, no qual ele parece recobrir seu pênis com algum tipo de pelagem. Além disso, há vários registros de um envoltório para o pênis, não com o propósito de contracepção, mas com o objetivo de proteger o órgão masculino em combates, picadas de insetos ou proteção espiritual. Alguns envoltórios utilizavam cores sortidas que tinham o objetivo de servir como distintivos de classificação, amuletos para promover fertilidade ou como adorno. Esses protetores são usados até hoje por algumas etnias humanas, como por exemplo um povo da Indonésia chamado tribo Dani. A maioria dos homens desse povo não veste nada além de um protetor no pênis. Curiosamente, o primeiro contato desse grupo com o “mundo exterior” ocorreu nos anos de 1950 e, ainda hoje, vivem em montanhas remotas de Irian Jaya, no oeste da Nova Guiné.
Homens da tribo Dani localizada na Nova Guiné, Indonésia, vestindo o protetor no pênis |

As evidências do uso real de um preservativo ou um envoltório para evitar a concepção durante a Antiguidade não são suficientes. As afirmações segundo as quais os preservativos eram usados na Roma Antiga também nunca foram provadas como verdadeiras. Segundo o historiador Moore, as “referências sugeridas aos primeiros preservativos em pinturas rupestres pré-históricas [e] arte da tumba egípcia […] provavelmente se devem mais à imaginação excessivamente fértil dos pesquisadores do que a provas concretas”, mas seu argumento não se aplica à mitologia grega. O mito grego relacionado a Minos, rei de Creta, e a Pasífae – que foi descrito por Antoninus Liberalis (2a. d.C.) em sua obra “Metamorfoses”, Pasífae não podia conceber por que o sêmen de seu marido continha serpentes e escorpiões que matavam as mulheres com quem ele dormia. Para que tivessem uma prole, Minos foi instruído a colocar na vagina de outra mulher a bexiga de uma cabra e a fazer sexo com ela a fim de se livrar de seu sêmen nocivo, dessa forma ele poderia coabitar com sua esposa, a qual lhe daria filhos saudáveis. O mito chama a atenção porque é um método que tem uma semelhança com o preservativo feminino, então isso poderia ter sido utilizado já em tempos remotos. Mais tarde, os historiadores voltaram ao mito e afirmaram que Liberalis estava enganado, e que o próprio Minos usava o preservativo. De qualquer maneira, o mito recebeu bastante atenção por relacionar com a história do preservativo. 
Já no Período Medieval, no século X, o médico persa Al-Akhawayni (? – 983 d.C.) descreve métodos contraceptivos no livro “Hidayat al-Muta`allemin Fi al-Tibb” (Guia do aprendiz de medicina), o qual tem uma subseção intitulada “Fi Hilat-o-Al Mera’at An La Tahbal” (Mulheres e métodos para prevenir a gravidez). Acredita-se que seja essa a descrição mais antiga do uso de uma bainha feita da vesícula biliar de um animal, cobrindo o pênis durante o intercurso sexual para evitar a concepção. Contudo, não se desvendou se esta bainha cobria o pênis ou apenas a glande. De qualquer maneira, esse método contraceptivo evoluiu, posteriormente, para o que é conhecido como a camisinha masculina. Pode-se dizer, portanto, que Al-Akhawayni foi importante para a contribuição do conhecimento persa medieval sobre contracepção.
Adiante, no século XVI, o físico italiano e professor de anatomia Gabriele Falloppio (1523 – 1563) mencionou em 1564 no capítulo 89 de seu tratado póstumo um estudo médico sobre a eficácia da utilização de um preservativo feito de tecido impregnado com várias substâncias para encaixar na glande do pênis. Este teria por objetivo proteger o homem que o usasse de se infectar com sífilis. Neste trabalho que ele realizou, ele não fez alusão ao uso de contraceptivos, mas afirmou veemente que nenhum dos 1100 homens que aplicaram seu método contraiu a doença, 
As primeiras referências ao termo “camisinha” são datadas do início da Idade Moderna através do poema intitulado “A Panegyric upon Cundum” (Um panegírico sobre camisinha) escrito em 1665 pelo poeta John Wilmot, segundo Conde de Rochester (1647 – 1680), notoriamente conhecido por seus versos marcados pelo deboche, o qual acabou morrendo de sífilis aos 33 anos. Mais adiante, em 1717 o físico inglês Daniel Turner (1667 – 1742) no seu livro “Syphilis: a practical dissertation on the venereal disease” escreveu sobre camisinhas feitas de bexiga ou membrana intestinal de cordeiros suavizadas pelo tratamento com enxofre e soda cáustica. Essas camisinhas não cobriam apenas a glande do pênis, mas sim o recobriam por inteiro, e para que não deslizassem durante o intercurso sexual, uma fita na extremidade aberta do preservativo era amarrada em torno da base do pênis. Além disso, essa camisinha feita de “pele” era umedecida em água morna ou leite, tornando-se flexível, e não impedia a transferência de calor.

Representação da camisinha utilizada no início da Idade Moderna feita de bexiga ou membrana intestinal de animal reportada em 1717 pelo físico Daniel Turner | Fonte: ancient-origins.net
Portanto, descrições da utilização de protetores dos órgãos sexuais são retratadas ao longo da história, e a mitologia e a cultura de outros povos tentam nortear de onde surgiu a camisinha. Contudo, a origem do preservativo, como método de contracepção e de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), não é unânime entre os historiadores, e portanto não é possível provar através de evidências históricas que se conhecem até o momento. Independentemente em qual local surgiu a camisinha, atualmente ela é amplamente difundida no mundo inteiro, e além de ser um método contraceptivo eficaz, esse preservativo torna o sexo seguro em relação à prevenção de ISTs. 
Referências:

¹ B. E. Finches; Hugh Green. Contraception through the ages. Grã-Bretanha. Helmrich & Blair Ltd Aberdeen, 1963. Disponível em: http://bib.muvs.org/data/mvs_004073/volume_2.pdf

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