Mudas recém-germinadas de ervilha aprendem por associação para decidir a melhor direção para crescer. |
A botânica tem sofrido uma revolução incrível nos últimos anos, pois uma nova perspectiva na maneira de enxergar e estudar as plantas tem sido adotada por um número cada vez maior de cientistas. Essa perspectiva sistêmica, ou seja, que aborda a planta não como um robozinho automático — que responde à luz crescendo para cima, ou responde à gravidade lançando suas raízes para baixo —, e sim como um organismo complexo onde suas várias partes interagem e se correspondem, de modo que a planta passou a ser vista como um sistema integrado a nível celular, tecidual e como organismo.
Graças a esta abordagem muito mais atenciosa, começou-se a entender que as plantas também possuem comportamentos até então inimagináveis, como capacidades geralmente associadas a animais, tais como perceber o ambiente com sentidos análogos aos nossos, como a audição, por exemplo, e outros mais, elaborar estratégias para atingir objetivos, ter capacidade de cognição para explorar o ambiente e, até mesmo, aprender e guardar memórias. Ou seja, plantas são inteligentes.
O fato de plantas serem inteligentes já é defendido tenazmente por botânicos eminentes, como Anthony Trewavas, da Universidade de Edimburgo, Escócia, e não por acaso. A ciência tem cada vez mais desvendado as incríveis capacidades das plantas para lidar com o ambiente. Não faz muito tempo, foi demonstrado que plantas podem aprender, num inteligente estudo feito com a popular plantinha dormideira (Mimosa pudica). Agora, porém, a mesma pesquisadora, Monica Gagliano, da Universidade da Austrália Ocidental, e colaboradores, publicaram um artigo trazendo dados impressionantes: as plantas podem aprender por associação, do mesmo modo que você faz.
Aprendizado por associação é quando, justamente, associamos uma coisa a outra. Por exemplo, quando pequenos, associamos a sineta do fim da aula à “liberdade” e almoço. Também associamos uma placa octogonal vermelha a um comportamento (pare!), e associamos a palavra “sol” à estrela mais brilhante de nosso céu. Basicamente, utilizamos algo como uma pista para entender, ou prever, outra coisa, e fazemos isso o tempo todo. É essencial para a nossa sobrevivência.
Este tipo de comportamento, conhecido hoje como condicionamento clássico ou Pavloviano, foi descrito pelo médico russo Ivan Pavlov num experimento notório, onde ele apresentava a cães comida junto do som de uma campainha. Cães instintivamente salivam na presença de comida, mas não ao ouvir uma campainha. Contudo, depois do condicionamento de Pavlov, ao ouvir o som da campainha eles imediatamente começavam a salivar, pois haviam associado aquele som específico à comida, e previam que seriam servidos sempre que o ouvissem.
Até o ano passado, acreditava-se que aprendizado por associação era algo exclusivo dos animais, mas, no final de 2016, foi publicado um artigo demonstrando que plantas também têm essa capacidade.
No experimento, mudas recém-germinadas de ervilhas (Pisum sativum) eram colocadas na base de um labirinto, um tubo em forma de Y colocado em pé sobre o vaso. Essas plantas foram separadas em dois grupos. Em um deles, num dos braços aplicava-se uma luz azul, excelente para o crescimento da planta, e no outro braço, antes de ligar a luz azul, uma ventoinha era acionada soprando gentilmente a mudinha.
No outro grupo, a luz e a ventoinha estavam juntas no mesmo braço do labirinto. Assim, as plantas, que precisam obrigatoriamente da luz para sobreviverem, aprenderam a associar o vento à luz. Em ambos os casos, a luz era aplicada aleatoriamente em um ou outro braço do labirinto.
Ora, sabe-se que as plantas sempre crescem em direção à luz. Porém, durante o experimento, em um dado momento, quando a planta estava crescendo até chegar próximo à bifurcação do Y, aplicou-se somente a luz por um tempo, e que depois foi apagada, deixando a planta no escuro. Agora a planta precisa tomar uma decisão: crescer em direção a um ou outro braço do labirinto. Num deles a luz brilhou pela última vez, então parece uma direção óbvia para se crescer. Mas eis que, na escuridão do labirinto… a ventoinha começou a soprar no outro braço. A mudinha já havia aprendido que o vento precedia a luz, e então, contrariando o que seria esperado para uma planta (quando se pensava que plantas não eram inteligentes), elas direcionaram o seu crescimento de acordo com o que haviam aprendido.
No grupo em que a luz e a ventoinha estavam em posições diferentes, as mudinhas cresceram para o lado oposto ao da ventoinha, e o grupo em que luz e vento vinham do mesmo lado cresceu em direção ao vento. Assim como os cães de Pavlov ou crianças impacientes, as plantas também associaram um sinal a algo que lhes seria bom.
O experimento é fascinante e tem gerado bastante discussão. Alguns argumentam que o número de plantas usado é pequeno demais para se chegar a uma conclusão concreta, e realmente não foram usadas muitas. Porém, o estudo foi publicado na revista científica Nature, uma das mais importantes e respeitadas do mundo. Ou seja, irrelevante também não é. Contudo, esse é só o primeiro de muitos estudos interessantes que hão de ser feitos nesta área, e há muito por ser descoberto em relação às incríveis capacidades cognitivas das plantas.
Mas, uma coisa é certa: enquanto você está aqui, aprendendo sobre botânica, as plantas estão lá fora, aprendendo sobre como sobreviver do melhor modo possível no nosso mundo.