Causas do envelhecimento: o que movimenta os ponteiros de nossos relógios biológicos?

Para controlar os ponteiros de nossos relógios biológicos, é necessário compreender as causas que levam esses ponteiros a se mover | Gabrielle Franzmann
Em nosso texto anterior publicado aqui no Sporum, pudemos compreender um pouco mais sobre o que é o envelhecimento e sobre um dos processos biológicos mais comumente associados a ele: o encurtamento dos telômeros. Contudo, é claro que não podemos imaginar que um processo tão complexo como o envelhecimento nos seres vivos possa ser determinado por um único fator. Se quisermos um dia controlar os ponteiros de nossos relógios biológicos, precisamos entender como as peças desses relógios funcionam para fazer com que os ponteiros se movam em primeiro lugar.

Uma revisão de 2013 publicada na revista Cell aborda os principais candidatos a marcas do envelhecimento, como sugeriram os autores. Essas “marcas” são características encontradas naturalmente no envelhecimento dos organismos (especialmente mamíferos, como nós) e que, quando intensificadas em experimentos, aceleram a progressão do envelhecimento, e, quando amenizadas, reduzem a aceleração do mesmo.

De acordo com esta revisão e diversas outras fontes na literatura científica, a causa inicial que desencadeia o envelhecimento em nossos organismos é o acúmulo progressivo de danos às células. São muitos os tipos de danos que nossas células podem sofrer, resultando na alteração de seu funcionamento e comunicação com outras células e acabando por se refletir em danos nos níveis de organização superiores (como tecidos, órgãos e sistemas). Um dos principais alvos dos danos gerados em nossas células é o nosso material genético, que em consequência disso pode passar a acumular um grande número de mutações ao longo do tempo, uma característica observada em organismos envelhecidos. Essas mutações no DNA podem levar à produção de proteínas defeituosas nas células, com suas funções reduzidas parcialmente ou totalmente, ou até mesmo completamente alteradas. Essas proteínas, quando não eliminadas ou consertadas, causam uma desordem na célula, prejudicando seus sistemas de sinalização, captação de nutrientes e produção de energia, entre muitas outras funções. Além disso, alterações em um grupo de proteínas chamadas histonas, responsáveis por se ligar ao DNA e regular a expressão dos genes, podem inclusive alterar os padrões de produção de determinadas proteínas em uma célula sem haver a ocorrência de alterações nos genes que possuem as informações para a produção destas mesmas proteínas – fenômenos reconhecidos como alterações epigenéticas, também acumuladas com o decorrer do envelhecimento.

Outro possível fator contribuinte ao envelhecimento seria o acúmulo de células senescentes precoces (que atingiram a senescência precocemente não pelo encurtamento dos telômeros, mas por outros fatores causadores de dano celular) nos tecidos. Entende-se, atualmente, que o estado de senescência celular possui duas caras. Por um lado, pensa-se que a senescência celular tenha evoluído em organismos pluricelulares como um mecanismo para impedir que células com um grande acúmulo de danos e mutações se proliferassem descontroladamente (leia-se: câncer), possuindo um efeito benéfico em organismos mais jovens. Porém, com o avanço da idade e do acúmulo de células senescentes nos tecidos, esses mesmos tecidos passariam a ter uma grande redução na sua função, aumento de ocorrência de inflamações e, especialmente, uma perda progressiva de sua renovação tecidual, pelo esgotamento de células-tronco adultas – que são células indiferenciadas que se dividem dando origem a células diferenciadas, que repõem o espaço deixado pelas células mortas nos tecidos.


A causa inicial do envelhecimento em nossos organismos parece ser o acúmulo progressivo de danos às nossas células | Manuela Sozo Cecchini e Madson Silveira de Melo

As fontes que possivelmente causam esses danos nas células são diversas, desde internas (tais como erros durante a replicação do DNA durante a divisão celular) até externas (como a dieta, o álcool, o cigarro, a exposição prolongada aos raios ultravioletas solares, entre outros). Uma fonte de dano celular muito estudada atualmente pelos cientistas é o estresse oxidativo, causado por altos níveis das chamadas espécies reativas de oxigênio, compostos químicos gerados naturalmente como subprodutos do metabolismo do oxigênio pelas mitocôndrias, as “usinas de energia” de nossas células. Assim como o resto da célula, as mitocôndrias também podem “envelhecer”, e acredita-se, atualmente, que o estresse oxidativo causado pela produção excessiva de espécies reativas de oxigênio – devido ao mau funcionamento de mitocôndrias e outras organelas em nossas células associado com o avanço do envelhecimento – seja um dos principais fatores causadores de dano celular, pois esses compostos químicos atuam modificando as composições de nosso material genético, de nossas proteínas e das moléculas que compõem nossas membranas celulares, por exemplo.
Felizmente, nossas células possuem diversos sistemas de reparo responsáveis por consertar esses erros. Por este motivo, conseguimos evitar os efeitos negativos do envelhecimento quando ainda somos jovens. O problema torna-se mais grave quando, à medida que envelhecemos e o acúmulo de danos às nossas células torna-se cada vez maior, esses sistemas de reparo vão se tornando cada vez menos capazes de consertar a grande quantidade de erros, podendo até acabar adquirindo erros eles mesmos. Distúrbios genéticos que geram anomalias nos sistemas de reparo das células são considerados um dos fatores que levam ao desenvolvimento de doenças caracterizadas pelo envelhecimento acelerado e precoce de indivíduos jovens. Por outro lado, falhas nos sistemas de reparo responsáveis por eliminar ou consertar proteínas defeituosas podem levar ao acúmulo destas dentro das células, formando grandes aglomerados de proteínas – o que se acredita ser um dos aspectos que possivelmente originam o desenvolvimento do Alzheimer em indivíduos idosos.  

Parece claro, atualmente, que os danos aos níveis de organização mais simples de nossos corpos se acumulam ao longo do tempo, que processos biológicos que no início da vida são benéficos para nós tornam-se prejudiciais com o avanço da idade, e que todos esses danos acumulados acabam por se refletir nos níveis mais complexos de nossos organismos quando nossos sistemas de reparo não conseguem mais dar conta do recado. Faz muito sentido imaginarmos que todas essas possíveis causas que foram apresentadas aqui estejam interligadas, e certamente será necessária, além de um maior aprofundamento em cada um desses fatores, uma visão sistêmica englobando todas em conjunto para que possamos vir a desenvolver meios efetivos para combater os males associados ao envelhecimento. A Ciência pode nos fornecer um futuro promissor, com o desenvolvimento de novas terapias genéticas, farmacológicas, celulares (com a utilização de células-tronco) e, claro, nutricionais. Ainda assim, talvez seja um pouco cedo para pensar que a intervenção humana possa, um dia, evitar o envelhecimento por completo. Ao invés de se prometer quaisquer tipos de imortalidade semelhantes àqueles presentes em grandes narrativas de ficção científica, o que está muito mais próximo da realidade hoje, com os estudos sobre o envelhecimento, é permitir uma grande melhoria na vida humana, de forma que possamos viver por uma maior quantidade de tempo com uma melhor qualidade de saúde.

Talvez você tenha notado que, até agora, discutimos os aspectos do envelhecimento com um foco maior em nossa própria espécie. Mas e quanto aos outros organismos vivos de nosso planeta? Será que todos envelhecem da mesma maneira que nós? Será que todos sequer envelhecem em primeiro lugar? O que podemos aprender com eles? Fique ligado nas próximas publicações do Sporum para conhecer casos surpreendentes de possíveis exceções à “regra” do envelhecimento biológico dentro da árvore da vida!

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