O pum da vaca e o aquecimento global

Texto por: Melina da Silva e Thayana Dias

Os animais ruminantes possuem um trato digestório modificado se comparado ao dos animais não ruminantes. A razão dessas modificações se dá principalmente devido ao tipo de alimentação desses animais, que é à base de alimentos com muita fibra. Mas afinal, o que é ruminação? Ruminação é, em linhas gerais, é o ato de regurgitar o bolo alimentar à boca e mastigá-lo todo de novo.

Você já deve ter ouvido falar que os animais ruminantes possuem quatro estômagos, mas isso não é de inteira verdade. Na realidade, o estômago é dividido em quatro compartimentos: rúmen, retículo, omaso e abomaso. As três primeiras partes do estômago (rúmen, retículo e omaso) contém microrganismos fermentadores de fibra, o que torna possível a utilização de carboidratos fibrosos como fonte de energia desses animais. Que simbiose bonita né? Os fungos, bactérias e protozoários que vivem dentro dessas três partes têm intensa atividade fermentativa realizada por esta microbiota ruminal e, através dela, é possível sintetizar nutrientes como proteínas, ácidos graxos de cadeia curta e vitaminas do complexo B. O quarto compartimento, o abomaso, se assemelha muito com o estômago dos animais não ruminantes.

Vejam que curioso, os animais ruminantes não possuem as três primeiras partes do estômago desenvolvidas quando nascem. É isso mesmo! O rúmen, o retículo e o omaso se desenvolvem tanto em estrutura quanto em tamanho ao longo do crescimento do animal.

Em seu nascimento, ele se alimenta de leite e toda a atividade digestiva ocorre pelo abomaso, que inclusive, pode até ser o compartimento com maior volume no estômago nessa fase lactante em alguns ruminantes. Mas afinal, como os pré-estômagos se desenvolvem? Para que isso seja possível, o animal precisa iniciar uma dieta utilizando alimentos sólidos, e então ele passa da fase não ruminante, que é quando ele ainda é jovem, para a fase ruminante, que é quando ele é adulto, e o rúmen passa a ser o compartimento com maior volume no estômago. O crescimento do tamanho e do volume dos pré-estômagos ficam por conta da ingestão de forragem e as papilas ruminais do rúmen se desenvolvem através do consumo de alimentos concentrados.

E a microbiota ruminal? Quem são os microrganismos que fazem simbiose com os ruminantes? Bom, ela é composta de bactérias, protozoários e fungos, e esses microrganismos são exigentes, eles só permanecem no animal hospedeiro se as condições estiverem favoráveis, ou seja, o rúmen deve possuir um pH entre 5,5 e 6,8, conter substrato para realizar a fermentação e a temperatura deve estar entre 38 e 42 °C, entre outros fatores.

Vocês devem estar se perguntando: “mas como acontece essa história de regurgitação e ruminação?” Bom, tudo começa através da alimentação desses animais. Eles mordem a sua comida e deglutem, forma-se um bolo alimentar misturado com a saliva e em seguida esse bolo é empurrado para os pré-estômagos. Quando ele chega no segmento ruminoreticular, os microrganismos desempenham a sua função e enquanto isso ocorre a musculatura desses compartimentos funciona loucamente com o objetivo de misturar o alimento, remover os gases da fermentação por eructação, que nada mais é que a regurgitação do alimento para realizar a ruminação.

Por possuírem quatro compartimentos e auxílio da microbiota ruminal, os ruminantes podem ter uma dieta variada, destacando os carboidratos fibrosos, já que os microrganismos presentes no rúmen auxiliam a degradar a fibra.

E o pum da vaca? O que o pum da vaca tem a ver com tudo isso? Após a ingestão do alimento ele segue para o rúmen onde irá passar por um processo de fermentação através da microbiota ruminal. O gás ruminal que é produzido através dessa fermentação é constituído por ⅔ de CO2 e ⅓ de CH4, além de outros compostos. Uma parte do metano é absorvida pelo animal, mas a outra parte sai juntamente com outros gases durante a eructação e/ou flatos. Assim, tanto pela boca quanto pelo ânus, respectivamente. Um estudo revela que os animais ruminantes produzem entre 80 e 103 milhões de toneladas de gás metano por ano, o que representa 25% do gás produzido globalmente.

O gás metano é um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, processo de aquecimento que prejudica o planeta. Então o gás metano liberado na atmosfera pela vaca intensifica o efeito estufa – imaginem o tamanho do prejuízo aqui no Brasil, onde há mais gado que pessoas – e, como consequência, o calor irradiado encontra problemas para se espalhar pelo espaço contribuindo para o aquecimento global? É isso mesmo. O pum e o arrotinho da vaca são uma das causas do aumento do efeito estufa.

REFERÊNCIAS

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