A rede de internet das plantas

Texto escrito por: Gabriel Bousfield, Lucas Garbo e Luiza Hubner

Desde a popularização dos smartphones nós temos nos tornado cada vez mais dependentes da internet. Ao acordar, logo pegamos nossos celulares e abrimos nossas redes sociais para ver se há mensagens de amigos ou familiares online. E, ao longo do dia, acabamos usando a internet para as mais diversas funções, desde estudar, trabalhar, nos divertir e até para comer. A internet é uma ferramenta incrível, que possibilita nos comunicarmos com pessoas do mundo inteiro de forma instantânea. Entretanto, uma rede capaz de conectar e possibilitar a troca de informações entre diversos indivíduos não é novidade no nosso planeta. Há cerca de 450 milhões de anos as plantas já se utilizam de uma rede de fungos no subsolo para se comunicar, a Wood Wide Web (“rede global florestal”).  

Essa interação entre plantas e fungos para comunicação é denominada de “rede de micorrizas”. As raízes das plantas se associam aos fungos micorrízicos pois isso facilita o seu acesso à água e aos nutrientes presentes no solo, como o nitrogênio (elemento muito importante para a realização de diversos processos celulares). Isso ocorre em virtude do aumento da área de absorção e da capacidade fúngica de penetrar na estrutura fina do solo. A troca de nutrientes e informações através da rede de micorrizas afeta a fertilidade do solo e a saúde das plantas e, portanto, é fundamental para o bem-estar da floresta. Imagine uma mudinha de determinada espécie de vegetal que está crescendo em solução esterilizada (isto é, sem nenhuma bactéria ou fungo presente), contendo apenas os nutrientes minerais. Se pegarmos essa planta e transplantamos para um solo proveniente de mata comum (na qual estaria repleto de fungos que poderiam trabalhar junto com a planta), ela crescerá bem e saudável (muitas vezes crescendo até mais do que o normal). 

As micorrizas são agrupadas de acordo com sua morfoanatomia. Nas ectomicorrizas (encontradas comumente em pinheiros e roseiras, por exemplo), o fungo envolve a extremidade da raiz da planta (sem penetrar nenhuma parte célula), e sua massa é, com frequência, tão grande quanto a massa da própria raiz envolvida. Uma extensa rede de hifas (filamentos que formam o corpo do fungo; Imagem 1) penetram no solo, de modo que até 25% do volume perto da raiz podem ser essas estruturas fúngicas. As que estão fixadas à raiz aumentam a área de superfície para absorção de água e nutrientes da planta, e a massa de hifas no solo atua como uma esponja para reter a água nas proximidades e manter a terra úmida. Esse tipo de interação pode ser mais encontrado em gimnospermas (pinheiros e afins), arbustos e na família Dipterocarpaceae (bem abundantes em florestas tropicais).

Imagem 1: Micorrizas presentes em um solo experimental. As hifas são esses “fios” brancos que se entrelaçam, formando uma rede | Fonte: Canal do Youtube Hortitec TV

As hifas de micorrizas arbusculares, por sua vez, entram na raiz e cruzam as paredes celulares, mas sem adentrar a membrana plasmática, que é mais interna). Dessa maneira formam estruturas de troca de nutrientes entre o fungo e a planta. Esse tipo de micorriza pode ser encontrado em sistemas agrícolas, regiões campestres e florestas tropicais. Os cientistas estimam que o transporte realizado por este tipo de micorriza é menos eficaz em comparação com o das ectomicorrizas. 

E como nós havíamos comentado antes, não é só para troca de nutrientes que as plantas utilizam a rede de micorrizas. Assim como nós utilizamos a internet para fofocar e trocar ideias, as plantas também se utilizam das micorrizas para compartilhar informações. Para isso, as plantas se utilizam de compostos denominados “infoquímicos”, que são substâncias químicas sinalizadoras que as plantas enviam para as plantas vizinhas ). A troca de informações entre as plantas pode ter as mais diversas funções. Uma planta que está sendo atacada por insetos, por exemplo, pode enviar um aviso para as suas vizinhas, preparando-as para se defender através da produção de compostos tóxicos.

Mas nesse mundo das plantas, nem tudo são flores. Essas comunicações, muitas vezes, são difíceis de acontecer. Os sinais químicos, quando chegam ao solo, são geralmente degradados rapidamente, pois são absorvidos ou decompostos pelos microrganismos presentes. As redes de micorrizas conseguem conectar as diferentes plantas, de diferentes espécies, criando uma rede de comunicação entre a floresta inteira. Através dos milhões de anos de evolução, as plantas das florestas se aproveitaram da vasta rede de internet fúngica que existe sob suas raízes! Tão prático quanto um smartphone! Os fungos não tem do que reclamar, afinal estão sendo alimentados e protegidos em troca disso tudo.

Imagem ilustrando a comunicação entre plantas que as hifas dos fungos simbióticos induzem. Repare que os fungos não-simbióticos não possuem participação nessa comunicação e transporte de substâncias entre plantas | Fonte: https://www.wikiwand.com/en/Mycorrhizal_network

De fato, esse é um comportamento incrível encontrado nas plantas. E é também extremamente importante para o funcionamento dos ecossistemas florestais. Caso essas interações e comunicações fossem cortadas, a mata seria prejudicada. Como essa relação traz grandes benefícios para as plantas e fungos envolvidos no processo, o fitness (adaptabilidade, ou seja, a capacidade de sobreviver e se reproduzir, de um organismo) aumente.  Uma planta que possui micorrizas, por exemplo, consegue resistir à seca e a extremos de temperatura melhor do que os indivíduos da mesma espécie que exibem pouco desenvolvimento micorrízico.

Tudo isso que foi falado mostra a importância dessa rede de micorrizas para o crescimento, sobrevivência, saúde, habilidade competitiva e comportamento dos organismos. Portanto, para que o equilíbrio e funcionamento das florestas possa ser mantido, é preciso atuar fortemente no estudo e conservação dessas importantes vias de comunicação. A internet das micorrizas cumpre a importante função de manter as plantas conectadas, para que elas, assim como você, possam estar por dentro das notícias do dia a dia na vizinhança. 

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