A grande jornada diária zooplanctônica: em busca do lanchinho noturno

Por: Lucas Garbo

A maioria dos humanos no mundo realiza alguma espécie de migração todos os dias. Seja um empresário que pega seu helicóptero para ir trabalhar ou um estudante que vai pedalando em sua bicicleta para a faculdade, quase todos nós temos que fazer uma viagem diariamente. E o mais interessante de tudo é que conseguimos também ver isso no mundo selvagem: Alcateias de lobos saem todos os dias de suas tocas e percorrem quilômetros para alcançar potenciais presas; formigas perambulam pela vegetação rasteira em busca de comida; Pinguins vão ao mar para pescar e se alimentar. Os exemplos são inúmeros, mas neste texto aqui abordarei uma migração diária em particular: a do zooplâncton.

Como em muitos casos na biologia, a origem e o significado da palavra dizem muito: plâncton, em latim, significa “à deriva”. Zoo, como você já deve suspeitar, é “animal”. Portanto, o termo “zooplâncton” engloba todos os diferentes grupos de animais microscópicos que vivem através da região planctônica (a região que contém o líquido em si). Os microcrustáceos Cladóceros e copépodes (a personagem Plankton, do Bob Esponja, é baseado neste animal), rotíferos (animais microscópicos pouco conhecidos, porém extremamente abundantes) e larvas de outros organismos (como de peixes e mexilhões) são os principais grupos de animais que compõem o zooplâncton.

Copépodes (os maiores e mais alongados) e cladóceros (os menores e mais arredondados). Note que o copépode de cima carrega consigo seus ovos presos ao corpo. Fonte: Victor Ferreira, Pinterest

Apesar de serem pouco conhecidos, os organismos zooplanctônicos possuem algumas peculiaridades inacreditáveis. Para começar, os copépodes, mais especificamente, estão dentre os animais mais abundantes da Terra, junto com as formigas, nematóides e o krill antártico. Eles também são responsáveis por transferir a energia produzida pelo fitoplâncton (grupo planctônico organismos fotossintetizantes como algas e cianobactérias) do nível trófico (categoria em que o organismos se enquadra na teia alimentar) mais abaixo para os peixes e invertebrados mais acima. Além disso, o copépode é considerado o animal mais forte e rápido do mundo em comparação ao seu tamanho, como você pode ler aqui

Mas vamos então voltar às migrações. Diferentemente do fito, o zooplâncton consegue se mover ativamente através da coluna d’água. Cada um dos grupos possui diversas adaptações que os permitem se locomover. Os rotíferos, por exemplo, utilizam seus cílios locomotores para bombear água através de seu corpo e movimentar-se. O copépode, por sua vez, se locomove movimentando suas 10 poderosas patas para nadar. E é nessa capacidade de se deslocar que está um dos grandes trunfos adaptativos desse grupo. 

Ptygura pilula, um rotífero comum. Fonte: Wikipedia

A grande maioria dos peixes que se alimentam desses pequenos seres utilizam a visão para se orientarem. Dessa maneira, os animais do zooplâncton encontraram uma forma muito criativa para não serem devorados: eles passam o dia inteiro nas profundezas do corpo d’água, onde a escuridão é dominante. O fitoplâncton, porém, fica apenas na superfície, pois é apenas lá que recebem a luz solar para realizarem a fotossíntese. Portanto, para se alimentarem, os organismos zooplanctônicos realizam uma migração diária para encontrarem o fitoplâncton na superfície. Eles fazem isso durante a noite, momento em que os temidos peixes não conseguem ver nada. Como muitos de nós humanos, esses microscópicos animais passam boa parte da noite e da madrugada se empanturrando de guloseimas. Quando o dia começa a chegar e  os primeiros raios do sol passam a iluminar o ambiente, os já saciados organismos zooplanctônicos retornam para a segurança da escuridão profunda. 

Por causa desse simples comportamento de procurar refúgio contra peixes, a maior migração do reino animal (em termos de biomassa, medida que representa o peso do organismo) acaba ocorrendo diariamente. São de fato incríveis os desafios e dificuldades que os diferentes organismos  enfrentam durante a “Luta pela existência”, como diria Charles Darwin. 

Além disso, suspeita-se que esse hábito diário também possui implicações para a conservação: quando o zooplâncton está descansando nas profundezas, ou seja, durante o período do dia, eles passam a excretar seus metabólitos (urina e outras excreções do tipo) mais perto do solo oceânico. Dessa forma, eles  conseguem retirar carbono e nitrogênio (os quais obtêm através da alimentação do fitoplâncton) da superfície e depositá-los no fundo. Isso é deveras importante pois precisamos encontrar formas de combater o aquecimento global, pois esse processo faz com que a concentração de gás carbônico atmosférico (formato que contribui para o aquecimento global) diminui ao passo que o carbono fixado no fundo do oceano aumenta. Portanto, expandir os esforços conservacionistas para grupos fundamentais como o zooplâncton é, com toda a certeza, uma forma de frear a magnificação do efeito estufa. 

Existe uma outra hipótese do porquê esses organismos realizarem essa grande jornada diária: talvez seja simplesmente mais vantajoso se alimentar de noite, quando as águas estão mais quentes. Porém, essa hipótese não é muito suportada já que  esse comportamento requer uma imensa quantidade de energia para ser realizado, talvez até mais do que o potencial que poderia ser adquirido por se alimentar enquanto está “quentinho”. A ideia dessa migração ocorrer para evitar a predação é a mais aceita hoje em dia. Afinal é melhor você ficar cansado, porém seguro no escuro, do que está sendo dissolvido no estômago de um predador sortudo. 

Referências

https://www.mun.ca/osc/oscedu/rotifera.php
Hays, G.C. A review of the adaptive significance and ecosystem consequences of zooplankton diel vertical migrations. Hydrobiologia 503, 163–170 (2003). https://doi.org/10.1023/B:HYDR.0000008476.23617.b0

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