Por: Anna Luiza Andriani, Bruno Losi Menna e Kathleen Terhaag
Adaptação de retrato de astronauta para a versão urso |
|
Você já pensou nas dificuldades que existem em ser um astronauta?
Em uma viagem espacial de grande distância, a pessoa lida com diversas dificuldades: longas viagens irão demandar longos períodos de tempo no espaço, o que significa que o astronauta precisará de um enorme estoque de comida e água. Animais como ursos negros (Ursus americanus), marrons (Ursus arctos) e polares (Ursus maritimus), permanecem fisicamente inativos dentro de suas tocas durante o inverno em uma espécie de sono da estação. São até 7 meses sem comer, defecar e com pouca ou nenhuma eliminação de urina ¹. Nas mesmas condições, somados à gravidade zero, humanos poderiam desenvolver doenças cardiovasculares, insuficiência renal, osteoporose, entre outras ². No entanto, ao saírem de suas tocas quando chega a primavera, os ursos não mostram nenhum sinal de danos no organismo. Considerando estas condições fisiológicas, pesquisadores têm investido em pesquisas biomiméticas (busca do aprendizado através de soluções oriundas da natureza) do mecanismo de economia de energia durante o sono com o objetivo de aplicar, em astronautas, as adaptações fisiológicas de animais que apresentam essa atividade. Essas pesquisas buscam possibilitar longas viagens espaciais e a aplicação em tratamento de doenças humanas, bem como de malefícios causados por uma baixa mobilidade ³.
Um estudo, em que ursos negros e ursos marrons foram utilizados como organismos modelo, constatou-se que, quando em estado de sono profundo, esses animais reduzem sua temperatura corporal de 38Cº para no máximo 33Cº, enquanto seu metabolismo diminui pouco, em torno de 25% em comparação com sua taxa de atividade normal. Nesse período, esses animais podem respirar apenas uma ou duas vezes por minuto, e seu coração desacelera entre as respirações, podendo bater novamente após até 20 segundos. Essas adaptações fisiológicas fazem com que os ursos consigam diminuir o seu gasto e demanda de energia para se manterem vivos em um período do ano em que não é vantajoso estar ativo, buscando por comida e abrigo ¹.
Mas de que forma os ursos conseguem passar de 5 a 7 meses do ano dormindo e despertar sem grandes danos no organismo? Sabemos que esse sono não se trata de uma hibernação, pois não seria vantajoso para um animal tão grande diminuir seu metabolismo drasticamente, porém a resposta não é tão simples. O que se sabe é que parte do segredo está no plasma sanguíneo desses animais. De acordo com matéria publicada pelo The New York Times (2016), “as plaquetas (fragmentos do sangue que tem como uma das principais funções a de coagulação do sangue), durante esse período, tornam-se menos pegajosas, (as plaquetas são pegajosas quando identificam vasos danificados), atuando como um afinador natural do sangue, talvez para diminuir o número de coágulos que poderiam se formar durante longos períodos de imobilidade”. Um dos hábitos dos ursos que produzem essa modificação nas plaquetas, é o alto consumo de berries (frutas silvestres), que são ricas em antioxidantes, como a vitamina C e polifenóis, já comprovadas como altamente efetivas em oferecer proteção contra o desenvolvimento de câncer, doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose e doenças neurodegenerativas ⁴.
Urso negro se alimentando de Berries| Fonte: Mike McIntosh. |
Porém, além de todas as características citadas anteriormente, um dos aspectos mais interessantes em todo esse processo é a não suscetibilidade à perda óssea desses animais, isto é, os ossos tendem a enfraquecer-se com a falta de atividade dos animais, mas nos ursos isso não acontece ⁵. Segundo Seth Donahue, professor de engenharia biomédica na Universidade Tecnológica de Michigan, “os ossos dos ursos quebram da mesma forma que os ossos dos astronautas que ficam dias na cama. A diferença é que o organismo deles absorve cálcio e outros minerais do sangue e os replicam nos ossos. Do contrário, a quantidade de cálcio no sangue atingiria concentrações mortais devido à baixíssima ou nenhuma excreção de ureia, acredita-se que, por conta disso, eles podem ter desenvolvido esse mecanismo de reciclagem de cálcio” ⁵,⁶. Eles também têm uma diminuição do remodelamento ósseo, essa capacidade única para conservar energia e prevenir a perda óssea durante esses períodos prolongados de sono profundo contribui para a capacidade de sobrevivência do animal em condições extremas.
Mas e a aplicação em humanos, como está sendo feita? Estudos estão sendo desenvolvidos com auxílio de anestésicos para realizar uma espécie de “sono” induzido em humanos. O grande desafio acontece porque, ao passar por um estágio de metabolismo baixo, o corpo não se recupera completamente. Atualmente, a Spaceworks está olhando para técnicas já em uso na medicina, ou seja, a hipotermia terapêutica. Usada pela primeira vez clinicamente há mais de 70 anos, essa técnica envolve o resfriamento do corpo de uma pessoa para perto do ponto de congelamento da água para retardar suas funções celulares e cerebrais. Esta técnica pode proteger os tecidos do paciente contra danos causados pela falta de oxigênio ou sangue, geralmente após um ataque cardíaco ou cirurgia, como um transplante de coração ³. No entanto, ela só se mostrou eficiente quando usada por um período máximo de 10 dias, um intervalo considerado curto, visto que só a ida até o espaço levaria em torno de 200 dias, nos quais eles teriam de passar muitas semanas dormindo e somente alguns dias acordados realizando suas atividades. Não se conhecem outros casos em que pessoas tenham ficado tanto tempo nessas condições e, por isso, ainda não está claro por quanto tempo a técnica pode ser usada com segurança.
Como podemos perceber, diversos estudos vêm sendo feitos no que diz respeito a descobrir como os ursos conseguem entrar em estado de sono profundo, o que seria extremamente vantajoso aos humanos. Apesar dessas habilidades fisiológicas que alguns deles adquiriram, um urso não seria um bom astronauta, porque provavelmente ficaria dormindo durante toda a missão, mas alguns de seus aspectos fisiológicos poderiam contribuir para uma melhor experiência em astronautas humanos, fazendo com que a viagem espacial se tornasse menos custosa fisiologicamente e suportável por mais tempo, podendo atingir, consequentemente, viagens mais distantes. Porém, com o avanço da ciência, tudo tende a se aprimorar e talvez, no futuro, consigamos aplicar ou, ao menos, induzir parte desses mecanismos fisiológicos vistos ao longo do texto em nossos astronautas humanos, melhorando assim as suas experiências espaciais. Enquanto isso, ficamos ansiosos para o que vem por aí quando se trata de aplicações de adaptações naturais e viagens no espaço.
Recorte de um modelo no qual humanos poderiam entrar em sono profundo e ser enviados ao espaço | Fonte: SpaceWorks.
|
Referências Bibliográficas
¹ REINACH, Fernando. Seis meses dormindo. O Estado de S. Paulo. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/geral,seis-meses-dormindo-imp-,715115>. Acesso em: 16 abr. 2018.
² Berg von Linde, Maria, Lilith Arevström, and Ole Fröbert. “Insights from the Den: How Hibernating Bears May Help Us Understand and Treat Human Disease.” Clinical and Translational Science. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26083277>. Acesso em: 28 Jun. 2018.
³ PANKO, Ben. Can Humans Ever Harness the Power of Hibernation? Disponível em: <https://www.smithsonianmag.com/science-nature/can-humans-ever-harness-power-hiberna tion-180961835/>. Acesso em: 16 abr. 2018.
⁴ FRAGA, Cesar et al. Basic biochemical mechanisms behind the health benefits of polyphenols. Molecular Aspects Of Medicine, Buenos Aires, v. 31, n. 6, p.435-445, dez. 2010.
⁵ LAWRENCE, Meghan e Mcgee; CAREY, Hannah V.; DONAHUE, Seth W. Mammalian hibernation as a model of disuse osteoporosis: the effects of physical inactivity on bone metabolism, structure, and strength. American Journal Of Physiology. P. 1999-2014. dez. 2008.
⁶ LENNOX, Alanda R.; GOODSHIP, Allen E. Polar bears (Ursus maritimus), the most evolutionary advanced hibernators, avoid significant bone loss during hibernation. Comparative Biochemistry And Physiology Part A: Molecular & Integrative Physiology, Reino Unido, v. 149, n. 2, p.203-208, fev. 2008.
Ótimo conteúdo! como temos o que aprender com os animais…