Os efeitos sociais e bioquímicos do consumo de cerveja já são bem conhecidos por todos, no entanto, esse pequeno texto se dedicará a analisar cientificamente os procedimentos para a fabricação de cerveja, sem, no entanto, adentrar nos meandros técnicos das explicações.
O nome em inglês e alemão (beer/bier) para cerveja deriva do latim bibere que significa “beber”. O local da sua origem é controverso, mas a sugestão mais plausível é de que ela nasceu na Mesopotâmia ou no Egito cerca de 8000 anos antes da era Comum (a.C). É interessante ressaltar que o hábito do consumo e fabricação de bebidas alcoólicas é mundialmente encontrado. E, assumindo uma definição bem ampla de ‘cerveja’, pode-se afirmar que ela já existia, entre outros lugares, como na Amazônia! (onde aqui ela era feita de mandioca). Ela se desenvolveu pelo mundo todo principalmente em padarias (onde era feita majoritariamente por mulheres) e em mosteiros, onde monges estudavam a teologia e os segredos da santidade cristã e nas horas vagas faziam e fermentavam seu prazer na vida. Mas como, afinal, se faz cerveja?
Primeiramente, os ingredientes!
Da água para…a cerveja!
Essa parte também tem a ver com as enzimas. Antes precisávamos despertar o potencial enzimático e agora vamos usar esse potencial. É preciso ficar mexendo para garantir que não haja parte do malte que fique mais frio ou mais quente que as outras, e assim, o produto final perder o seu equilíbrio. O caldo obtido depois de cozinhar e mexer é extremamente doce. As enzimas foram colocadas cuidadosamente nas suas temperaturas ótimas e fizeram sua magia. Os amidos foram quebrados da forma que fosse conveniente ao estilo de cerveja que se quer. Cada estilo de cerveja tem uma rampa de temperatura que determina por quais temperaturas específicas o caldo com o malte tem que ficar e por quanto tempo devem permanecer nelas. Depois há um processo de separação por filtração simples e as cascas de cevada junto com muitas proteínas e alguns açúcares são retirados do caldo açucarado chamado “mosto”. Esse subproduto é altamente nutritivo e é bom para fazer bolos e pães ou mesmo adubar uma horta. Em seguida se esquenta ao ponto de fervura para matar bactérias e desnaturar as enzimas que caso contrário iriam ficar trabalhando para além do tempo desejado. Outra coisa que se faz nesse instante da produção é a adição do lúpulo. O fato da água estar fervendo faz toda a diferença para a obtenção dos aromas da flor. Com o aumento da temperatura, a capacidade da água de dissolver os nutrientes e substâncias aumenta (existem casos em que a solubilidade reduz com o aumento da temperatura, mas não é esse) agora temos um mosto com aromas e sabores doces e amargos. Ainda assim se você tomar a cerveja nesse estado talvez ela não te surpreenda muito, mas aguarde…
O processo de produção da cerveja | Fonte: Jornal Diário de Pernambuco |
A magia acontece em nível microscópico
Resfriamos o mosto e adicionamos as leveduras. Leveduras (Saccharomyces cerevisiae) são uma espécie de fungos. Elas são seres minúsculos e unicelulares que sobrevivem se alimentando de moléculas de açúcar que encontram no ambiente; não conseguem quebrar amido sozinhas e por isso nós facilitamos o trabalho nas etapas anteriores, no entanto, agora se encontram isoladas num lugar com comida e água abundante e uma temperatura ideal. É uma verdadeira tarde de inverno na casa da avó; elas estão prontos para se empanturrar. O mestre cervejeiro veda o mosto com a levedura dentro para que nenhuma espécie competidora venha roubar o açúcar dos fungos. Para se alimentar as leveduras fazem o processo de fermentação alcoólica. A fermentação em si é uma linda conquista da evolução. Um primor da bioquímica. É um conjunto de ações e reações extremamente complexo cuja natureza exata escapa nossos propósitos. O importante para nós é que ela é o meio pelo qual as leveduras conseguem se alimentar, não requer gás oxigênio e libera como subprodutos o álcool e o gás carbônico (CO2). Nessa etapa da produção o CO2 não é o objetivo, a formação do álcool e dos aromas complexos do malte e do lúpulo com o fermento são adquirido pela ação das leveduras. O tempo em que o mosto permanece parado deixando-as agindo depende de cada cerveja também, isso porque as variadas cervejas tem graduações igualmente distintas de teor etílico.
No envase, parte final do processo, retira-se a maioria das leveduras que a essa altura se multiplicaram e se tornaram algo fisicamente parecido com uma argila meio estranha e pálida. Retirado isso, sobra um líquido parecido com cerveja, contudo sem o gás, que foi perdido na hora que retiramos a massa de leveduras. Não há problema nisso, porque é no envase que a magia acontece. Adicionando açúcar nas garrafas, as leveduras, agora em muito menor número, produzem pouco álcool e gás, o suficiente, no entanto, para gaseificar uma garrafa e assim completar essa maravilha sociobiológica.
As questões interessantes a respeito da cerveja não se encerram tão facilmente. Alguns fatos interessantes sobre ela brotam aqui e ali ao longo de toda a história humana, tornando a bebida além de gostosa, um ícone cultural. Inúmeras histórias começam, acabam ou ocorrem devido a ela. De novo e como sempre, a ciência se aproximou da técnica humana explicando e ampliando seu sucesso, garantindo que a lei de pureza seja algo meramente estilístico, quando já foi uma medida de segurança sanitária. Os acadêmicos dedicados a entender o comportamento dos seres minúsculos e os mestres da técnica cervejeira encontraram uma intersecção e dela obtemos o litrão nosso de cada dia. Um brinde à cerveja!
Referências:
ROSA, N. A.; AFONSO J. C.; A Química da Cerveja; Quím. nova esc. – São Paulo-SP, BR. Vol. 37, N° 2, p. 98-105, MAIO 2015; Disponível em:< http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc37_2/05-QS-155-12.pdf> Acesso em: 15/03/18