Ilustração de chapim-real (Parus major) | Autor: Basil Ede |
Um polvo-de-anéis-azuis (gênero Hapalochlaena) com sua característica coloração aposemática. A quantidade de veneno dessa criaturinha simpática é o suficiente para matar mais de 20 seres humanos em poucos minutos | Autor: desconhecido |
A eficácia dessa coloração aposemática em fazer com que predadores optem por deixar esses animais em paz é tamanha que, outros animais — que não são tóxicos, peçonhentos ou venenosos e são até bem saborosos se você usar os temperos certos — modificaram-se, ao longo de sua história evolutiva, de forma que seus corpos tenham tornado-se extremamente parecidos com os corpos dos animais que possuem a coloração aposemática, em uma forma de mimetismo que recebe o nome de mimetismo batesiano.
Porém, quando trata-se de aposematismo e mimetismo, uma peça parece não se encaixar: se todos os predadores precisam atacar suas presas (levando-as à morte na maior parte das investidas) para perceberem que isso é uma péssima ideia, seria então pouco provável que o aposematismo obtivesse algum sucesso em persistir como uma estratégia defensiva eficaz entre os animais, ou até mesmo chegar a desenvolver-se.
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Para entender esse dilema que alguns biólogos enfrentam há anos, é necessário recorrer a um pouco de imaginação e usar a fabulosa arte de contar histórias.
Imagine a seguinte situação:
Você é um chapim-real (Parus major). Você está há muitas horas sem alimentar-se e tudo o que seu bico tocou ao longo do dia não foi nada além de pedaços de pipoca mofada que tiveram de ser disputados arduamente com um grupo de pombos moribundos em uma praça melancólica e fria de alguma pequena cidade. Você é um animal versátil e sua dieta é bem variada, incluindo, às vezes, até mesmo parte de outros animais, como cérebros de morcegos e pardais desavisados. Infelizmente, para você, não é uma boa época do ano para conseguir alimento. Seu estômago ronca tão alto que você já não consegue mais escutar seu próprio canto. Eventualmente, você pega-se pensando em como as coisas seriam muito mais fáceis se tivesse nascido como um dos belos e inteligentes corvos (gênero Corvus). Eles passarão, você passarinho. Eis que então, já cansado de sentir pena (ou penas, no caso) de si mesmo, você nota que a vida aparentemente lhe deu uma colher de chá: no topo de uma pedra, próxima a você, repousa uma linda e colorida lagarta. Suas cores e seu padrão de manchas e listras são tão marcantes que fazem um letreiro neon com os dizeres “Por favor, eu estou aqui, venha me devorar!” parecer algo ridiculamente discreto e insignificante. Um único pensamento então lhe ocorre: “Hora do jantar!”. Entretanto, você percebe que não é o único por perto com a intenção de encher sua moela. A poucos metros de você, outro chapim-real faminto observa atentamente o majestoso inseto. Não haverá diálogo, será uma competição, e você terá sorte se puder petiscar um pedacinho no final. Como a vida selvagem não dá espaço para a hesitação, ele parte para o ataque assim que nota sua presença, investindo precisamente contra o inseto. O seu adversário riria de você se pássaros pudessem rir. Todavia, logo em seguida ao banquete, algo inesperado ocorre: o competidor repentinamente começa a chacoalhar freneticamente sua pequena cabeça, em espasmos repetitivos e intensos. Assustado, alça vôo desnorteadamente, em busca talvez, de uma fonte de água para aliviar o sabor horrível que agora predomina em seu paladar, mas sucumbe e despenca morto dos céus poucos metros depois. No fim das contas, o sabor da vitória não foi tão bom assim. Outra lagarta, similar a que acabou de ser devorada, move-se despreocupadamente pelo gramado. Você até cogita atacá-la, mas desiste da ideia quando recorda-se do que houve com seu semelhante há poucos minutos. Você entendeu o recado que as cores passam: “Eu sou encrenca, não mexa comigo, idiota!”. Satisfatoriamente você encontra algumas sementes e moscas por perto, e após a refeição, alça voo rumo à praça de alguma pequena cidade para roubar pedaços de bolacha de pombos moribundos. |
Bem, a narrativa acima pode parecer um pouco exagerada, e propositalmente é, porém ilustra uma coisa que, a princípio, parece óbvia demais para ser levada em conta: assim como nós, seres humanos, os animais também podem aprender com os erros de outros animais.
Etólogos (cientistas que estudam o comportamento animal) já identificaram essa transmissão de informação e aprendizagem social em diversos outros animais. Um dos casos mais famosos é o dos macacos-japoneses (Macaca fuscata), documentado por Kinji Imanishi na década de 50.
Na ilha de Koshima, no sul do Japão, uma jovem macaca foi vista retirando cuidadosamente a areia de suas batatas (que eram oferecidas pelos pesquisadores), lavando-as nas águas da praia. Algum tempo depois, outros macacos jovens estavam imitando aquele comportamento e, posteriormente, ensinando-o aos macacos mais velhos do grupo. Eventualmente, nas gerações seguintes, os macacos mais velhos (que foram ensinados pelos jovens) ensinaram os macacos mais jovens a lavar suas batatas. No fim, o comportamento, inicialmente observado em um único indivíduo, gradualmente espalhou-se pelo grupo de macacos da ilha, e lavar batatas nas águas da praia de Koshima havia tornado-se o esporte nacional.
Você disse “lagarta na manteiga”? Corvo-do-havaí (Corvus hawaiiensis) usando graveto para “pescar” sua presa. Essas aves demonstraram ter muita facilidade em aprender esse comportamento uma com as outras | Autor: Ken Bohn/San Diego Zoo Global
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Falou lagarta na manteiga.. e coberta de açucar? hahahh nunca confie em um pica-pau, inclusive acho que o azul e vermelho deles deve ser uma coloração aposemática pra você evitar encrencas.
Parabéns pelo artigo Alyson, está de muita qualidade mesmo, dava até pra ser uma leitura obrigatória de Introdução à Ecologia 😉 manda a ideia pro Selvino.