O segredo das flores marinhas


Que Angiospermas formam um grupo de plantas extremamente diverso e abundante em todo o mundo há mais de 100 milhões de anos não é nenhuma novidade para quem ainda lembra das aulas de biologia do ensino médio. O que mais chama atenção nesses organismos é o seu modo de reprodução, o qual envolve a produção de flores masculinas e femininas (ou os dois sexos na mesma flor) as quais, após a polinização, desenvolvem-se em sementes recobertas por frutos, muitos dos quais utilizamos na nossa alimentação. Porém, pode não ser do conhecimento de todos que algumas espécies de Angiospermas habitam o ambiente marinho e lá continuam produzindo suas flores e frutos. Agora, o que nem a ciência conhecia e que nos foi revelado a poucos meses atrás pelo trabalho de uma equipe de cientistas do México é que, no ambiente marinho, a polinização de flores por animais também pode ocorrer.
Uma infinidade de animais realiza a polinização de plantas terrestres, sendo conhecidos como agentes polinizadores. Abelhas, vespas, formigas, borboletas, mariposas, morcegos, aves e muitos outros são atraídos pelo néctar das flores, uma substância açucarada que serve como alimento para esses animais. A estrutura da flor masculina está organizada de modo que o animal, quando se alimenta do néctar, fique recoberto pelo pólen, uma minúscula estrutura formada por algumas células que comporta o gameta masculino da planta. Uma única flor não é o suficiente para saciar a fome desses agentes, que logo em seguida procuram por outras flores, e eventualmente encontrarão uma feminina. Novamente, a estrutura da flor obriga que o animal entre em contato com o estigma (estrutura do aparelho reprodutor feminino de plantas que recebe os grãos de pólen) enquanto se alimenta do néctar, fechando assim o ciclo da polinização.
Para o ambiente aquático, de modo geral, era posto que apenas a água servia como agente polinizador (um processo chamado de hidrofilia, mas algumas plantas aquáticas crescem de modo que suas flores abrem-se na superfície da água, em contato com o ar). Nesse caso, o pólen é liberado na água em grande quantidade e a corrente o transporta à longas distâncias de modo que uma parcela desse pólen tem grandes chances de entrar em contato com uma flor feminina. Dessa forma, a descoberta da ocorrência de polinização por animais em ambiente marinho é algo extremamente interessante. Essa associação ocorre na espécie Thalassia testudinum, que apresenta seus órgãos reprodutivos organizados em estruturas que permanecem próximos ao fundo do mar, sendo os agentes polinizadores pequenos invertebrados bentônicos (ou seja, animais que vivem associados ao fundo oceânico), como larvas de crustáceos e pequenos poliquetas (que são anelídeos, assim como minhocas e sanguessugas). Ao contrário das plantas terrestres, T. testudinum não produz néctar, mas secreta um muco rico em proteínas que envolve os grãos de pólen e serve de alimento para os animais.
A comprovação do processo de polinização se deu através de uma série de experimentos que envolveram a coleta de exemplares de T. testudinum do seu hábitat natural, bem como de amostras de água que continham os invertebrados bentônicos. Ambas as amostras foram levadas ao laboratório e depositadas em aquários, onde combinações diferentes de ensaios foram conduzidas a fim de provar se a planta era realmente polinizada pelos invertebrados ou apenas pela água. Para isso, as seguintes situações foram investigadas: 1. tanto os órgãos masculinos quanto os femininos devem ser visitados; 2. os visitantes obrigatoriamente carregam grãos de pólen; 3. os visitantes transferem o pólen entre os órgãos masculinos e femininos; 4. O pólen depositado nos órgãos femininos deve ter sucesso reprodutivo, medido pela germinação nos estigmas, crescimento do tubo polínico ou fixação de sementes (ambas etapas essenciais da fertilização de órgãos femininos e reprodução de Angiospermas).
Após algumas semanas de experimentação, observou-se que os invertebrados visitavam ambos os órgãos reprodutivos, mas passaram a maior parte do tempo se alimentando nos órgãos masculinos (de onde eram secretados os grãos de pólen e seu muco proteico). Além disso, na ausência de invertebrados (tanques controle, onde somente a correnteza poderia carregar a massa de pólen), o sucesso reprodutivo das plantas foi consideravelmente menor (menos tubos polínicos se desenvolveram). Fotografias obtidas através de microscópios de luz e eletrônico, mostraram a presença de grãos de pólen no intestino dos agentes polinizadores, além da parte externa do corpo (presos às cerdas).   
Apesar da baixa eficiência, o estudo mostrou que a polinização pela água também ocorre, conjuntamente à polinização pelos invertebrados, que devido à sua característica bentônica, fez com que o processo fosse denominado de zoobentofilia. Os autores sugerem ainda a realização de estudos com outras espécies de plantas aquáticas, uma vez que estas podem também estar sendo polinizadas por animais, enquanto a hidrofilia é colocada como única fonte de polinização pela água.

Por fim, o que é mais chamativo nesse estudo é que mesmo numa situação tão singular como o ambiente marinho, as plantas com flores conseguem associar-se com animais para potencializar seu sucesso reprodutivo. Ainda há muito para ser descoberto acerca da vida desses organismos esplêndidos, que mesmo estáticos aos nossos olhos, se mostram surpreendentemente ativos e dinâmicos quando prestamos um pouco de atenção.

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