O que andam falando sobre competição?

Você já imaginou um mundo onde a cooperação reinasse? Um lugar onde a competição seria uma das últimas opções para sair de uma situação extrema? Essa é a proposta de Roberto Cazolla Gatti, um pesquisador italiano que tenta explicar como surgiu a grande biodiversidade mundial, através de mecanismos que não envolvam a competição como um fator determinante.
Em abril deste ano, um artigo publicado na revista Biologia por Roberto Cazolla Gatti da Universidade Estadual de Tomsk, na Rússia, vem estremecendo as bases de algumas áreas dentro da ecologia e evolução com uma proposta, no mínimo, provocativa. Além de debater sobre mecanismos de especiação, o autor sugere que a competição e a luta pela sobrevivência talvez não sejam fatores determinantes para gerar a grande biodiversidade existente. Seu modelo teórico sugere que mecanismos como a endogenobiose, história biológica, tridimensionalidade e a fuga da competição podem atuar de maneira mais precisa para explicar esse fenômeno.

        Roberto Cazolla propôs um modelo na tentativa de explicar sua teoria: iniciar-se-ia com a especulação de um ambiente isolado por uma barreira física que limite o movimento de genes de uma população para a outra de áreas adjacentes (seja esta barreira uma montanha, lago, entre outros) e que a célula inicial se reproduziria assexuadamente até que a capacidade máxima de recursos disponíveis no ambiente seja consumida, levando assim a população à um “limite” que não poderia ser ultrapassado. Atingido esse “limite”, a morte das células gerarão os produtos para as novas gerações, oscilando a dinâmica da população durante o tempo. Inserido neste contexto aparecem os primeiros virus e bacteriofagos, encapsulados proteicos provenientes de genes destas células mortas.

        Após milhões de anos, com os processos que determinam esse ambiente já bem consolidados, os mecanismos de transcrição poderão dar origem às primeiras mutações, diferenciando os indivíduos em meta populações -entende-se metapopulações como “populações dentro de populações”- pouco distintas, ou como Gatti denomina, meta populações polimórficas. Após vários ciclos de oscilação, devido aos limites de recursos disponíveis, algumas dessas meta populações, graças à acumulação de novos genes (não necessariamente adquiridos através de mutações) e sua plasticidade fenotípica¹, poderiam deste modo metabolizar outros recursos ou algum recurso com mais eficiência, levando desta maneira, à uma troca de nicho ecológico².

        Esse processo de mutação e consequente troca de nicho guiando à uma diferenciação de espécies é denominado de especiação simpátrica que de acordo com Cazolla só seria possível se a competição não fosse acentuada. Se a competição fosse um fator determinante, talvez nunca existisse a coexistência de duas espécies em um mesmo local,possibilitando somente a sobrevivência do mais eficiente acumulador de mutações para se adaptar àquela situação estressante, levando a extinção do seu ancestral filogenético por exclusão competitiva. A coexistência de duas ou mais espécies de forma simpátrica pode ocorrer somente se existir uma baixa competição ou fraca exclusão competitiva entre eles, juntamente com uma “fuga da competição”, que assim permitiria a troca de nicho de uma dessas meta populações que, agora, poderá se diferenciar através da utilização de outras inclusões genéticas pertencentes à esse novo nicho ecológico.

        Assumindo essa diferenciação das meta populações já estabelecidas, é proposto também que a habilidade das espécies de alterar seu ambiente, desenvolverem-se em um espaço tridimensional, criarem relações beneficentes da simbiose e do mutualismo, poderá expandir “volume” dos nichos e assim possibilitar o surgimento de novas espécies, sendo que neste momento os processos coevolucionários levarão ao surgimento de várias espécies  através dos seus participantes.

        Seria então a teoria de Gatti uma nova maneira de encarar o paradigma da competição como formador de diversidade? Muitos pesquisadores afirmam que ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre o assunto e até mesmo Gatti precisa trabalhar em alguns pontos que foram pouco desenvolvidos no artigo.
        No artigo são abordadas uma variedade de ideias construídas por Gatti, discutindo diversos aspectos evolucionários e afirmando que as atitudes humanas seriam uma das únicas formas de criar competição entre espécies, já que ao exportar espécies de um local para outro excluem a história biológica e filogenética construídas durante milhões de anos, forçando-as a lutar pela sobrevivência. É apenas o começo de uma nova visão dentro da biologia que necessita ser amplamente discutida para que se desenvolva e assim possamos desbravar novos horizontes de conhecimento. É assim que se faz ciência!
1 – É a habilidade de um genótipo de produzir mais de um fenótipo quando exposto a diferentes ambientes”, ou ainda, a capacidade de um organismo alterar sua fisiologia e morfologia de acordo com as condições do ambiente.

2 – O termo nicho é aqui definido como a soma de todos os fatores ambientais agindo sobre o organismo – G. E. Hutchinson

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