A maconha, o baseado, a verdinha, ou como quiser chamar, é uma droga consumida pela nossa espécie há pelo menos 12.000 anos, os antigos chineses possuíam a planta em sua farmacopeia (conjunto de substâncias com uso terapêutico) há pelo menos 4.700 anos atrás. A maconha pode ser obtida da planta Cannabis sativa ou de sua “irmã”, chamada Cannabis indica, e consiste em folhas e flores secas que são fumadas ou ingeridas. A despeito dos efeitos visíveis amplamente conhecidos, como humor alterado, fome excessiva, ou “larica”, psicoses e relaxamento, seus efeitos sobre o sistema nervoso humano não são tão familiares para a população leiga, e são comuns os textos trazendo fatos suspeitos a respeito da maconha, tanto entre os defensores quanto entre os perseguidores da erva.
Mas o que a ciência tem a nos dizer a respeito do tema?
O estudo dos componentes da maconha começou oficialmente em 1964, quando um grupo de pesquisadores de Israel, liderado pelo químico Raphael Mechoulam, publicou um artigo demonstrando o isolamento do principal componente ativo da maconha, o famoso “THC”. Após esses estudos pioneiros, começou uma verdadeira corrida científica para isolar os outros compostos, e vários foram identificados, dezenas de canabinóides são conhecidos hoje em dia, dentre esses vale a pena citar o “CBD”, conhecido pelo seu potencial terapêutico. Atualmente se sabe que o CBD, ou canabidiol, pode ser utilizado com sucesso em casos síndromes convulsivas e epilepsia.
Entretanto, na época do descobrimento desses compostos, não se tinha muita ideia de como eles deixam as pessoas “chapadas”. Na década de 90, foram identificados os receptores de nossas células nos quais os canabinóides da maconha produzem seus efeitos, tanto no cérebro quanto em outras partes do corpo. Esses são os receptores CB1 e CB2, localizados preferencialmente no cérebro e células do sistema imune, respectivamente. Assim, quando uma pessoa fuma um baseado, a fumaça chega aos pulmões, os canabinóides se dissolvem na corrente sanguínea e são levados para o corpo todo, se ligando em receptores específicos que produzem o efeito conhecido da planta.
E os neurônios?
Bem, o efeito da maconha sobre o cérebro, personalidade e saúde mental das pessoas é bastante discutido. Para começar, é importante já citar que o efeito tóxico da maconha sobre os neurônios é muito complexo, pois, como já citado, ela não é uma droga que contém uma substância, e sim dezenas. Por isso, é difícil determinar como cada um dos canabinoides produzem um efeito distinto e como estes se integram no efeito resultante. Mas muito conhecimento já foi acumulado na área, por exemplo: extratos puros de THC são capazes de induzir morte neuronal no hipocampo (região do cérebro), isso foi descoberto num estudo de 1998. Entretanto, no mesmo ano, outro artigo demonstrou efeito neuroprotetor e antioxidante do mesmo composto, em conjunto com o CBD.
Que confusão! De fato, esse tema pode ser confuso, quer dizer, é difícil dizer com certeza se a maconha mata ou não mata nossos neurônios, mas sabemos que alguns compostos, como o CBD, com certeza não matam, e inclusive têm um potencial terapêutico enorme para transtornos neurológicos e psiquiátricos. Outras drogas, como cocaína e álcool, por exemplo, são com certeza neurotóxicas, e sim, matam neurônios. Com isso, podemos afirmar que a maconha não mata neurônios, quem faz isso são alguns de seus compostos na forma isolada. Mas o problema não está apenas na morte neuronal, alguns transtornos psiquiátricos também podem estar associados ao uso.
Um aspecto importante do efeito da maconha é sobre os indivíduos com predisposição a transtornos psicóticos, como esquizofrenia. Diversos estudos já demonstraram que a maconha pode estar associada a esquizofrenia, e alguns até afirmavam que ela seria a sua causa principal, porém, mais recentemente, estudos mostraram que esse efeito ocorre apenas em pessoas com histórico de esquizofrenia na família, ou seja, que possuem predisposição à doença. Então, se você se encaixa nesse perfil, por favor, não fume maconha!
Apesar da miríade de conhecimentos populares a respeito da maconha, é importante lembrar que como é um tema costumeiro e polêmico, muitas pessoas dão suas opiniões sem a devida fundamentação. Por exemplo, dizer que “uma erva natural não pode te prejudicar”, é uma frase que está longe da verdade, isso é a falácia da naturalidade. Afinal, um dos pais da filosofia, Sócrates, morreu tomando um extrato de uma planta venenosa: a cicuta, ou inúmeros nobres e imperadores romanos também, e não há nada mais natural que morrer por uma picada de cobra etc. Ao mesmo tempo, não podemos demonizar a planta e dizer que ela “mata neurônios”, “causa esquizofrenia”, sem que estejamos por dentro da literatura científica da área, que é vasta.
Assim, por mais que seja um tema complexo, é importante que a população esteja informada a respeito dos riscos do uso, bem como do potencial terapêutico de determinados compostos. Entretanto, apesar de algumas substâncias da planta possuírem esse potencial, não existe “maconha medicinal” (desculpem-me, entusiastas pró-maconha). O que existem são extratos que podem ser ingeridos, e de fato, estes possuem uma efetividade elevada para tratamentos de síndromes convulsivas e epiléticas, principalmente o CBD. Mas esse efeito não é encontrado na maconha fumada, apenas em extratos. Então, se você for fumar maconha, lembre-se que não está ingerindo um remédio, e sim uma droga.
CBD Também é um potente ansiolítico, usado para tratamento de transtornos de ansiedade e fobia social
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4604171/
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