As várias faces de um predador

Texto por: Gabriel Gomes, Miguel Schüster e Giovana Pedroni

Ao retornar de sua viagem para a Indonésia em 1879, o jornalista australiano James Hingsley contou histórias sobre ter avistado uma terrível planta carnívora, uma orquídea vermelha que agarrava abelhas e borboletas com suas pétalas e as devorava ainda vivas.

A dita orquídea carnívora de Hingsley jamais foi encontrada novamente. Isso porque, na verdade, ela nem uma orquídea era, e sim um inseto: um louva-deus que havia enganado tanto a presa que estava devorando quanto o humano que o estava observando.

O louva-deus orquídea é, como todo louva-deus, um predador voraz. Mas este peculiar inseto utiliza algumas estratégias excepcionais para aprimorar sua caça, e selar o futuro de suas presas.

Para começar, o louva-deus orquídea, como sugere o próprio nome, utiliza sua coloração e morfologia para se fazer semelhante a uma flor. Isso faz com que insetos que se alimentam de flores cheguem mais perto pensando que é uma flor de verdade. Além da aparência, o louva-deus orquídea pode emitir um odor que as abelhas usam para se comunicar. Isso faz com que abelhas sejam atraídas ao inseto predador, que rapidamente captura e devora as polinizadoras. O grande segredo deste predador, como vimos, é não somente ser um mestre do disfarce, mas usar os sentidos de suas presas contra elas mesmas. Em termos mais técnicos, o louva-deus orquídea usa o mimetismo agressivo a seu favor.

O mimetismo agressivo é uma estratégia comum em diversos tipos de predadores no planeta. Ele envolve enganar os sentidos da presa, fazendo com que a mesma esteja indiferente, ou até mesmo atraída, à presença do predador. E para isso, essa estratégia parte do princípio básico de como o sistema sensorial dos animais funciona. O sistema sensorial dos animais, inclusive o nosso, funciona a partir de células sensoriais. Estas células conseguem captar estímulos do meio, como substâncias químicas, vibrações mecânicas e luz, processando-os em forma de informação. Uma vez que capta um estímulo, a célula sensorial sinaliza para que neurônios próximos a ela levem a informação até o Sistema Nervoso Central, que irá processar e responder adequadamente ao estímulo captado.

Ou seja: tudo que percebemos são estímulos, sejam internos (de nosso corpo) ou externos (do ambiente). E estes estímulos podem facilmente ser modificados,  como no caso do louva-deus orquídea, alterando a maneira como outros seres-vivos respondem a estes estímulos enganosos.

Este animal é, atualmente, um dos únicos conhecidos a utilizar dois tipos de mimetismo agressivo para orquestrar sua caça: um mimetismo químico e outro visual. Com sua aparência de flor, o louva-deus engana muitos predadores. Mas isso se torna ainda mais elaborado quando na visão de um polinizador. Insetos polinizadores enxergam diferente de nós humanos, pois eles conseguem enxergar o espectro ultravioleta, o qual  as plantas usam para se comunicar com estes animais. E mesmo sem saber, nosso louva-deus brilha em ultravioleta (na imagem, a cor azul mostra o espectro ultravioleta) para os polinizadores de maneira que o faz parecer mais delicioso ainda.

Como falamos, ainda há o estímulo químico que o louva-deus usa para manipular suas presas. Insetos são muito mais sensíveis a odores do que nós, e usam suas antenas para captar esses odores no ar. As abelhas, que utilizam muito esses cheiros para comunicação, são facilmente atraídas e enganadas pelo odor emitido pelo louva-deus.

Mas há ainda muitos outros tipos de estímulos que diferentes predadores usam para enganar suas presas. Aranhas de teia, por exemplo, usam o tato para caçar. Sua teia se torna uma extensão de seu toque, e a aranha sente tudo que encosta em sua teia. Agora, um grupo de aranhas que caça aranhas usam esse sentido para se aproveitar de suas parentes aracnídeas. Aranhas-pirata cutucam teias de aranhas para imitar um inseto que acabou de se prender na armadilha. A dona da teia desce para investigar, e a aranha pirata saqueia sua vítima inocente.

E quanto à audição, não faltam exemplos. Como muitos animais utilizam o som para se comunicar, esse tipo de mensagem torna-se um meio ideal para ser modificado e imitado. Alguns felinos, como o gato maracajá, já foram observados usando, além de agilidade e força, enganação para aprimorar sua caçada. Imitando o som de espécies de primatas, o gato maracajá consegue fazer com que os macacos desçam da árvore para investigar, tornando-os presas fáceis.

E estes são apenas alguns dos vários exemplos de como animais possuem diversas maneiras de sentir – e manipular – o mundo. Costumamos pensar que nossos sentidos representam o mundo da melhor maneira o possível, mas há inúmeras outras formas! Morcegos usam o som para “enxergar” obstáculos e presas, víboras usam sensores de calor para rastrear animais de sangue quente, tubarões sentem correntes elétricas na água ao redor e abelhas podem enxergam cores que jamais veremos!

Diante dessa diversidade de sentidos acerca do mundo afora, nos resta admirar o quão complexo é nosso sistema sensorial, e como há tantas outras maneiras de enxergar, ouvir e sentir o mundo em que vivemos.

REFERÊNCIAS

de Oliveira Calleia, F., Rohe, F. and Gordo, M., 2009. Hunting strategy of the margay (Leopardus wiedii) to attract the wild pied tamarin (Saguinus bicolor). Neotropical Primates, 16(1), pp.32-34. 

Jackson, R.R. and Whitehouse, M.E., 1986. The biology of New Zealand and Queensland pirate spiders (Araneae, Mimetidae): aggressive mimicry, araneophagy and prey specialization. Journal of Zoology, 210(2), pp.279-303.

Mizuno, T., Yamaguchi, S., Yamamoto, I., Yamaoka, R. and Akino, T., 2014. “Double-Trick” visual and chemical mimicry by the juvenile orchid mantis Hymenopus coronatus used in predation of the oriental honeybee Apis cerana. Zoological science, 31(12), pp.795-801.

O’Hanlon, J.C., Holwell, G.I. and Herberstein, M.E., 2014. Pollinator deception in the orchid mantis. The American Naturalist, 183(1), pp.126-132.

SCHMIDT-NIELSEN, K., 1997. Animal physiology: adaptation and environment. Cambridge university press.

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