O que a natureza nos ensinou (e pode nos ensinar) sobre pandemias

Por: Gabriel Gomes

A natureza é o sistema mais complexo conhecido pela humanidade, isso é inegável. Quer dizer, você nunca parou pra pensar como é incrível uma simples mudança sazonal moldar e pintar a paisagem de um campo, enchendo de vida e cores ao menor sinal de primavera? Como é incrível a vontade incessável de cada organismo vivo de se espalhar e de se multiplicar, aproveitando cada chance disponível do melhor jeito possível?

Pense em tardígrados que sobrevivem no vácuo do espaço. Pense em caramujos que constroem conchas de ferro vivendo em águas aquecidas a 750 graus Fahrenheit. Pense em besouros que viajam pelo sistema digestório de sapos para evitarem a predação. Parece não haver problema que a natureza não possa ultrapassar. 

E com tanta facilidade para resolver quebra cabeças, seria a natureza capaz de nos ajudar a remontar as peças de uma civilização bagunçada por uma pandemia?

Na verdade, a natureza já nos ajudou a resolver pandemias e a conter doenças no passado. E pode muito bem nos ajudar a passar por essa (e de maneiras bastante criativas). Aqui vão alguns exemplos:

Infelizmente, tubarões ainda são muito vistos pela população como monstros sanguinários (o que nós sabemos que está bem longe da realidade). Mas a empresa Sharklet Technologies olhou para estes animais majestosos com outros olhos, e acabou enxergando muito mais do que um monstro.

A empresa investigou mais sobre a pele de tubarão, e sua capacidade de impedir a adesão de diversos tipos de bactérias e vírus sem usar qualquer tipo de composto químico, somente pela estrutura de sua superfície. E ainda melhor: essa estrutura pode ser replicada e aplicada na maior parte dos polímeros. A aplicação desse padrão reduz a transmissão da bactéria E. coli em 93%, por exemplo. Até mesmo alguns vírus, como o Influenza e o próprio coronavírus sofrem dificuldades consideráveis de se manter em superfícies com esse padrão.

Outra questão que já causou e ainda causa muita dor de cabeça para a humanidade é o mosquito Aedes aegypti e os diversos patógenos que ele pode transmitir. Mesmo com tantas iniciativas tomadas, controlar a população desse inseto ainda é um problema. Mas como se combate o animal mais letal de todos para humanos? Fácil, com o animal mais letal de todos para os mosquitos.

Fonte: Wikipédia

Se gabando de 95% de porcentagem de sucesso na caça, a libélula adulta é uma predadora implacável que pode devorar centenas de mosquitos por dia. E o melhor: sua larva também adora predar larvas de mosquitos. Na cidade de Yangon, em Myanmar, larvas da libélula Crocothemis servilia foram introduzidas em todos os recipientes de água parada em uma área de 20.000 metros quadrados. Foi um absoluto massacre para os mosquitos. O número de larvas de A. aegypti diminui em 96% em um mês, sem contar o estrago que as libélulas adultas causaram na população de mosquitos.

E para a pandemia atual, de onde a natureza poderia nos ensinar soluções e atalhos para lidar com os inúmeros problemas que temos que resolver? De insetos alados predatórios? De defesas químicas de invertebrados? De fósseis vivos? A resposta é muito mais simples e pode estar ao seu lado neste mesmo instante.

Gatos.

Ninguém nunca reparou em como um gato bebe água, né? Na verdade talvez já, mas é difícil enxergar a complexidade por trás do simples ato de um gato bebendo água. Se um gato já te lambeu, você pode ter reparado em como a língua deles é áspera. Isso é porque sua língua possui papilas modificadas, que são o grande segredo aqui. O engenheiro Richard Novak observou essas papilas e como elas conseguem capturar e prender a água de maneira única, podendo soltar o líquido capturado no pelo do gato para limpeza. 

Assim, o engenheiro desenvolveu um novo formato para cotonetes nasais, mais econômico e eficaz, que mimetizaria as papilas da língua de um gato. Assim, um novo tipo de cotonete passou a ser produzido sem a necessidade de algodão ou tecido na ponta, que pode capturar o muco e mantê-lo intacto até ser liberado no local desejado. Seu gato pode não demonstrar tanto afeto por você, mas sua língua ajudou e muito a humanidade durante essa pandemia.

Não acho que eu precise dar mais exemplos sobre como a natureza nos ensina a lidar com problemas de maneira criativa e extremamente eficaz. E eu gostaria de dizer que o ser humano merece os parabéns por enxergar estas soluções e aplicá-las em problemas do dia a dia, mas a verdade é que nós estamos falhando nesse aprendizado.

Estimativas da NHAPS em 2001 mostram que seres humanos passam, em média, cerca de 90% de suas vidas dentro de carros, casas ou estabelecimentos comerciais. Significa que passamos apenas 10% de nossas vidas do lado de fora, em contato com a natureza, com nosso tutor. Como podemos extrair ideias e inspirações de teias alimentares, como podemos enxergar e refletir sobre a complexidade social de um formigueiro, como podemos nutrir paixão e respeito pela natureza se passamos apenas 10% de nossas vidas em contato com ela? Quantas ideias e soluções estamos perdendo por não passar tempo suficiente observando a vida lidar com obstáculos diários?

Nossa arrogância, nossa falta de respeito pelas outras formas de vida foi o que nos colocou nessa situação de pandemia em primeiro lugar, e pelos mesmos motivos podemos estar perdendo oportunidades de minimizar o dano causado. 

Quem sabe as várias lições que ainda iremos aprender com o coronavírus? E quem sabe quais destas lições usaremos para evitar futuras pandemias, e quais serão esquecidas na petulância humana? Difícil dizer. A lição que eu tento passar com esse texto é: a natureza é mais esperta do que nós. Se somos, realmente, a espécie inteligente que proclamamos ser, então seria inteligente de nossa espécie aprender a aprender. Aprender a humildade no ato de sentar-se na grama e observar a comunicação complexa das aves, o sistema impressionante de nutrição das plantas, e o voo impecável dos insetos. Aprender com um professor é a chave de qualquer aprendizado, e nós temos muita sorte de ter um professor como a natureza.

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