Por: Gabriela Vilvert Vansuita e Lucas Takinami Amaral Sato
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Autor desconhecido |
Em dias muito quentes, nós, humanos, transpiramos, ficamos ofegantes e eventualmente procuramos uma sombra para descansar. Você já se perguntou por que isso acontece? Talvez você já tenha ouvido falar sobre o fato de que cachorros transpiram pela língua, ou sobre cobras e lagartos serem animais de “sangue frio”, e com certeza já viu algum animal, seja lagarto, gato ou ser humano descansando em sombras frescas em dias de sol intenso. Mas para quê? Claro que isso gera uma sensação de bem estar, como se você tivesse escapado de algum mal, como se aquela sombra debaixo da árvore tivesse acabado de salvar a sua vida. Vamos ver que esse bem estar pode ser propiciado por algo maior, mais complexo e extravagante (às vezes mais bicudo) do que uma sombra fresca.
Todas as situações acima descrevem diferentes estratégias que os animais possuem para regular a temperatura corporal. Essas estratégias podem ser anatômicas, fisiológicas e comportamentais, e são muito importantes para evitar o superaquecimento. Quando nós super aquecemos, as proteínas do nosso corpo são danificadas, prejudicando, dentre outras coisas, todo um sistema de comunicação celular que é essencial para a funcionalidade do corpo do indivíduo. Um bom exemplo de como a gente pode sentir isso é a febre. Logo, superaquecer por causa da temperatura do ambiente pode causar desconforto assim como a febre, afinal de contas o fundamento é o mesmo.
Assim, várias estratégias para dissipar calor corporal foram sendo desenvolvidas e aprimoradas ao longo da história da evolução. Animais possuem respostas comportamentais, como procurar sombra em um dia quente. Outra estratégia bem difundida é possuir uma estrutura que possa ser utilizada como trocador de calor. O trocador de calor consiste em um ciclo onde o sangue mais aquecido do corpo flui para uma estrutura fina e bem vascularizada onde perde o calor para o ambiente e então retorna para o corpo. Como exemplo dessas estruturas temos a orelha dos elefantes e as asas dos morcegos. Além disso, os mamíferos possuem glândulas sudoríparas que produzem suor, ajudando na regulação da temperatura corporal, já que a evaporação do suor leva com ele parte do calor embora. Mas e as aves? Visto que elas não possuem glândulas sudoríparas, como elas realizam essa difícil tarefa?
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Imagem térmica de um elefante. à direita tem-se a correlação entre a temperatura e a cor da imagem | World of Warmth |
O tucano-toco (Ramphastos toco), por exemplo, possui uma estrutura um pouco exagerada: o seu bico, que pode chegar a até 22cm de comprimento, quase metade do tamanho do seu corpo. O papel sobre o bico dos tucanos já foi interpretado de diversas maneiras: como ornamento sexual para acasalamento, adaptação para alimentação e como sinal de defesa territorial. Até o famoso Darwin tentou explicar um bico tão grande. Mais recentemente, um grupo de cientistas, formado por dois brasileiros e um canadense, realizou um estudo publicado em 2010 na renomada revista Science. O estudo mostrava que o bico do tucano-toco é também um trocador de calor. Na verdade, o bico dessas aves representa de 30 a 50% da superfície do seu corpo, competindo pelo título de maior “janela térmica” do reino animal com as orelhas dos elefantes, em relação à troca de calor proporcional ao tamanho corporal.
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Tucano-toco (Ramphastos toco) | Dorothy Wadlow |
No estudo em questão, os cientistas expuseram vários tucanos adultos e juvenis a um gradiente de temperatura, que variou de 10ºC a 35ºC. Eles verificaram a variação da temperatura de várias regiões do animal (costas, olhos, bico próximo da face e na ponta) ao longo da mudança de temperatura do ambiente. Foi visto que os adultos conseguem regular a troca de calor melhor que os juvenis. Isso porque os adultos já possuem toda a formação de vascularização do bico bem desenvolvida, os bicos são porosos como esponjas. Entre os espaços corre uma rede complexa de vasos sanguíneos que vai aumentar ou diminuir o fluxo de sangue para cada região do bico de forma independente, de acordo com a necessidade do animal. Infelizmente, pouco se sabe sobre a anatomia desse sistema de vasos sanguíneos.
De acordo com o trabalho, a temperatura superficial na região das costas dos tucanos se manteve quase constante, como o esperado, e um pouco acima da temperatura corporal, tendo sua alteração mais significativa em temperaturas baixas. A temperatura na região dos olhos se manteve constante através de todo o experimento, indicando um fluxo sanguíneo contínuo para a região independentemente da temperatura ambiente. Entretanto, as regiões do bico apresentaram as variações de temperatura mais significativas, sendo que a região mais próxima da face teve a maior oscilação de temperatura em todo o animal, tendo maior significância em temperaturas baixas.
O tucano-toco pode ser encontrado em todas as regiões brasileiras. Pode-se então pensar que essa alta capacidade de troca de calor seria prejudicial ao animal nas regiões com climas mais amenos. Porém, um comportamento comum dos tucanos na hora de dormir ou descansar é esconderem o bico entre as asas e mudarem a posição das penas da cauda. Isso diminui consideravelmente a perda de calor pelo bico nestes momentos. Quase como nós, humanos, que nos cobrimos durante noites frias para evitar perder calor pela pele exposta ao ar. Os cientistas também supõem que esta troca de calor controlada pode ser importante durante momentos de alto metabolismo, como, por exemplo, durante o voo. Similar à nós, humanos, que ficamos corados durante atividades físicas mais intensas, porém de forma bem mais eficiente.
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Tucano-toco dormindo escondendo o bico entre as asas | Rafael Sagae |
Como considerações finais, os cientistas discutem que a termorregulação que acontece no bico do tucano-toco tem que ser considerada ao tentarmos entender a ecologia, distribuição e comportamento dos tucanos na natureza. E que levando em conta a grande variedade de forma de bicos das aves, é muito provável que esta estratégia esteja presente em outras espécies de aves também.
À primeira vista o bico do tucano pode parecer desnecessário e extravagante, assim como o pescoço da girafa, o rabo do pavão e o “chifre” da baleia narval. Com suas adaptações estranhas e chamativas, talvez por ignorância não ligamos, ou presumimos que somos o melhor que a natureza tem a oferecer. Com nosso super encéfalo e polegares opositores nos damos como o auge da evolução. Mas não é bem assim. Ao olharmos bem de perto, com estudos, pesquisas e busca por conhecimento, começamos a entender que o mundo é cheio de adaptações dos mais diversos tipos, cores, tamanhos e formas. Deve-se agir pela defesa da vida em todas as suas formas, estimulando o desenvolvimento científico, tecnológico e humanístico.