Que formigas representam uma linhagem de insetos muito diversificada e abundante, especialmente nos ambientes tropicais, não é nenhuma novidade. Basta olhar para a variedade de formas observadas em nossos jardins, dentro de nossas casas, nos parques que visitamos e diversos outros ambientes, familiares ou não. A pergunta que surge é: por que as formigas são tão diversificadas? Qual o motivo, se é que existe apenas um, para o sucesso evolutivo dessa linhagem? Uma característica que chama muito a atenção para qualquer pessoa curiosa que busca entender um pouco mais acerca desses insetos é o polimorfismo que apresentam. Polimorfismo significa, de maneira simples, “muitas formas”. Isso está associado ao fato de que numa colônia de formigas se observam diferentes formas, denominadas castas, cada qual com tarefas específicas a desempenhar: rainhas responsáveis pela reprodução e controle da colônia são facilmente distinguíveis, na maioria das espécies, das operárias, as filhas responsáveis por realizar todas as tarefas necessárias à sobrevivência da colônia, dentro e fora do ninho. Já os machos, gerados somente no período reprodutivo, apresentam asas – rainhas apresentam asas somente para o voo nupcial e o estabelecimento de uma nova colônia – e são morfologicamente muito distintos das rainhas e operárias. O polimorfismo vem sendo colocado como uma explicação para o sucesso evolutivo da linhagem das formigas. A ocorrência dessa variedade de formas numa mesma colônia representa uma oportunidade para a divisão de tarefas em níveis cada vez mais profundos. Assim, quanto mais especializada determinada formiga for para realizar uma tarefa específica, maiores as chances de sucesso no cumprimento da tarefa. Por muito tempo se pensou que as operárias eram apenas rainhas sem asas, uma adaptação evolutiva para a vida dentro de ninhos fechados, onde asas seriam um artigo de luxo que mais atrapalhariam do que ajudariam na realização das tarefas diárias. Essa visão vem sendo questionada, e um trabalho muito importante realizado por uma equipe composta por dois pesquisadores franceses e uma pesquisadora portuguesa, contribuiu bastante para isso. O corpo das formigas, assim como nos demais insetos, é dividido em segmentos, que não são muito discerníveis no estágio adulto (especialmente aqueles da cabeça), mas são muito claros durante os estágios larvais e de pupa. Por meio de precisas medições morfológicas dos três segmentos que compõe o tórax de formigas, retiradas de representantes de vinte e uma das 25 subfamílias atuais e fósseis desses insetos, os pesquisadores puderam compreender as semelhanças e diferenças entre operárias e rainhas na morfologia do tórax – especialmente em relação à quantidade de músculos presentes, – associando esses dados com os comportamentos comumente apresentados por estas castas. Os resultados foram surpreendentes. As rainhas apresentam, de maneira geral, o seu 2º segmento torácico (contando da cabeça em direção ao final do corpo) muito desenvolvido. Isso é esperado e facilmente observado analisando um espécime, já que neste segmento estão alojados os músculos utilizados no o voo. Como a rainha perde as asas a partir do momento em que inicia uma nova colônia, tais músculos vão se tornando atrofiados e utilizados como fonte energética para a produção de ovos e alimentação das primeiras gerações de larvas. A surpresa veio da análise dos segmentos torácicos das operárias. Estas apresentam o primeiro, e não o segundo segmento torácico muito desenvolvido. Além disso, esse segmento aloja músculos hipertrofiados, associados à sustentação da cabeça junto ao pescoço. Essa configuração muscular e morfológica é única entre os insetos, ao contrário da configuração observada para as rainhas, comum em insetos alados. E por qual razão tal morfologia poderia explicar o sucesso evolutivo das formigas? A presença desses músculos hipertrofiados no primeiro segmento torácico está associada à capacidade incrível das operárias em transportar cargas que, em algumas espécies, podem atingir entre 30-90 vezes a massa da própria formiga. Dessa forma, a perda de asas por parte dos indivíduos de uma colônia deu a oportunidade para o desenvolvimento de outras partes do corpo, já que os músculos associados ao voo ocupam muito espaço no tórax e impedem o desenvolvimento dos músculos associados à cabeça e pescoço. A ausência de asas impede que as operárias de formigas acessem locais muito distantes dos seus ninhos em busca de alimento, mas a musculatura desenvolvida como consequência permite que uma operária confronte presas maiores ou simplesmente colete itens alimentares maiores, podendo levar mais comida ao ninho de uma só vez.
Voar aparenta ser uma atividade muito divertida e prazerosa, mas ser mais forte que a sua presa ou predador também tem suas vantagens!